Ichi

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Os corvos grasnavam no céu, trazendo consigo um agouro de mau presságio. A estrada estava deserta e o cheiro pútrido de enxofre enchia o ar, não havia ninguém além de um jovem rapaz por aquele caminho. As roupas que usava eram velhas e surradas, mal o protegendo do vento frio que às vezes soprava, havia um chapéu de bambu que cobria sua cabeça e escondia seu rosto, mesmo que o sol estivesse escondido por nuvens escuras que ameaçavam molhar a terra.

O lugar era uma terra deserta e silenciosa, havia uma sensação pesada no ar que fazia com que os pêlos de seu corpo se arrepiassem levemente, ou talvez fosse apenas o frio do outono. Adiante, estava o lago Usori rodeado pelas oito montanhas, mas o seu interesse estava em Osorezan[1]. A montanha sagrada que era a entrada para o paraíso e para um inferno supostamente aprisionava um demônio milenar em suas entranhas.

Encontrar a entrada da caverna não havia sido fácil, ele apenas a encontrou próximo do pôr-do-sol devido ao encantamento de ocultação que havia sobre ela. A entrada descia em um corredor longo com estalactites e estalagmites pelo caminho, água pingava do teto e formava poças, o som das goteiras quebravam o silêncio junto do som de seus próprios passos, sem outros corredores só se podia seguir em frente. Uma luz vermelha reluzia no piso de pedra do corredor e ficava cada vez mais forte conforme se avançava. Nem sequer era preciso uma tocha para iluminar o caminho. Quando ergueu sua linha de visão, finalmente encontrou a origem da luz. No corredor à frente havia uma shimenawa[2] pendurada na entrada para uma câmara, como se estivesse dizendo que era proibido entrar alí, mas ele não hesitou em pegar a ko-wakizashi[3], que trazia escondida entre suas roupas, e cortou a corda.

Um vento congelante e opressivo passou por ele. Apesar disso, não sentia medo e muito menos estava hesitante sobre o que faria. Uma vez que tinha colocado essa ideia na cabeça, jamais desistiria dela.

No centro da câmara, havia uma espécie de ilha rodeada por água com um pedestal de pedra que subia do chão, uma ponte ligava o corredor até a ilha, e flutuando sobre ele, havia uma pedra que brilhava intensamente em vermelho. Lentamente, o rapaz se aproximou e notou que havia algumas tochas no chão e um suporte para elas, ele chegou a conclusão de que era melhor acender uma com as faíscas de pedras para quando saísse de noite. Ao terminar de colocá-la no suporte, voltou-se para a pedra resplandecente, havia caracteres entalhados nela que formavam a palavra "selo".

Não conseguiu evitar um leve suspiro de alívio ao ver que o que procurava estava realmente lá. Foi como se o fardo em suas costas finalmente estivesse aliviando um pouco.

Ele estendeu a mão para pegar a pedra, e no instante em que a tocou, sentiu um frio no estômago. Com um piscar de olhos, o cenário mudou completamente. Havia muitas cortinas de seda translúcidas de um vermelho vibrante ao seu redor que flutuavam com o vento, mas ele estranhamente não sentia a sensação do ar passando por suas roupas e pele. Havia uma silhueta deitada de forma relaxada em uma plataforma à sua frente, parecia ter chifres grandes se projetando da cabeça, além de uma cauda que balançava ansiosamente.

Não, chifres não. Orelhas de algum animal, muito longas.

— Quem é você? — Uma voz suave perguntou.

— No momento, não importa. — O rapaz respondeu, analisando o ambiente ao seu redor pelo canto dos olhos.

— Hm...? — A figura se sentou ereta. — Estou preso nesta montanha a tempos e nem sequer posso saber quem veio me visitar?

— Vim fazer um acordo.

— Oh? — A sombra soltou um risinho. — Vejo que você é bem direto. Tem certeza que quer fazer um acordo comigo?

— Tudo depende de você.

Ela hesitou em responder de volta, mas ainda assim não conseguiu evitar sua curiosidade por muito tempo.

Hasu No HanaOnde histórias criam vida. Descubra agora