17- me diga tudo que eu não sou

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  Abri meus olhos em uma sala muito iluminada, paredes brancas e estofadas. A porta quase imperceptível na parede a minha frente tem um vidro espelhado, é óbvio que é um vidro refletivo.
Acabei de perceber que estou em uma camisa de força. Acorrentada no chão pelo pé, o outro mundo realmente não gosta de mim.
A porta se abriu e alguém todo de branco entrou. Um médico? Não... Alie García. Ele olhou para mim com os olhos castanhos idênticos ao de Tomas.

— Louise, é bom revê-la — ele sorriu — como está o meu irmão?

— o que está acontecendo? — cortei a conversa fiada — por que eu estou numa camisa de força e acorrentada?

— porque é assim que tratamos os loucos nessa instituição—  ele respondeu como se fosse óbvio — quando você se matriculou sabia dos nossos métodos.

  Alie pegou uma prancheta na porta e logo após a fechou. Ele ficou de pé no canto me observando e anotando coisas.

— por que eu estou aqui?

— essa é fácil. Você é louca — ele disse. Simples assim.

— eu não sou louca — rebati — você não me conhece, como pode falar isso?

— fácil também. Todos conhecem Louise Aiken, ou beckmann, seja lá qual sobrenome você usa.

  Eu levantei e corri na direção de Alie, mas a corrente é muito curta. Cai de cara no chão e quebrei o nariz.

— você não me conhece— eu repeti.

— pelo contrário — ele se abaixou e me ajudou a sentar — vou te relembrar quem você é — ele segurou minha cabeça.

  Com um acesso a meu subconsciente Alie García foi capaz de me mostrar todas as monstruosidades que eu fiz.
A primeira: um tempo após o fim do clã, Winchester de 1065. Eu matei vários soldados do rei, matei várias garotas inocentes. Os moradores estavam assustados, foi quando Little reaper nasceu. Todos os meus atos daquele ano passaram em meus olhos.
França de 1200. Foi a primeira vez que eu matei uma pessoa por diversão. Eu matei por que eu queria brincar de "quanto tempo o humano leva para morrer". A última depois de outras várias lembranças foi a da Bulgária, na peste bubônica. O coven Aiken tinha infectados e eu me fingir de médica. Elas nem me notaram com aquela capa e máscara. Elas só queriam ajuda e eu matei uma por uma apenas para punir minha mãe. Uma delas implorou pela vida da filha de nove anos e eu não tive piedade. O coven sobreviveu, mas não graças a mim como minha tia disse.

  Alie tirou as mãos da minha cabeça e eu tombei para frente.
Caí no chão paralisada, bombardeada de péssimas memórias.
Minhas lágrimas começaram a fazer uma poça no chão.
Nem elas são capazes de lavar todo o mal que eu já fiz. Eu não sou capaz de esquecer todo o mal que eu já fiz.
Na dor um único minuto se torna a eternidade e a eternidade é muito tempo para sentir uma dor insuportável.
Eu não sou covarde, mas queria que Alie García nunca tivesse entrando por aquela porta.

— a sua visita chegou. — Alie disse abrindo a porta.

  Os passos vieram até mim. Dimitri, o cretino russo. Ele olhou para mim com os olhos verdes, a cópia perfeita do irmão dele. Os cabelos ruivos como faíscas.

— então você é a poderosa, Louise? — ele inclinou a cabeça para o lado no mesmo ângulo que meu rosto — acho que não.

— você está morto. — eu sussurrei.

— eu sei, você me matou — ele sorriu e me mostrou o buraco no peito — me matou por maldade. Um louco não consegue controlar os impulsos, eu entendo.

— você merecia!

— diga isso e conseguirá dormir a noite, Louise. Você não é Deus para decidir quem vive ou quem morre.

— Deus não tem nada a ver com isso! — tentei levantar, mas falhei miseravelmente — se existe realmente um Deus ele nunca permitiria um psicopata como você vivo.

— a questão é: se eu sou o psicopata, por que você que está na camisa de força?

— Alie García te libertou.

— por que ele faria isso? Eu nunca o conheci, você não me deu essa chance.

— e seu irmão não deu essa chance a ele. — murmurei.

  Dimitri saiu e outra pessoa entrou, um soldado da coroa inglesa. E foi assim todo o tempo que me lembro, pessoas mortas vindo me acusar. Pessoas que eu matei de formas cruéis. Depois todos eles se juntaram e me apunhalaram com as estacas de prata, mas eu não morro.

— eu não aguento... — falei com dificuldade — eu não posso ser a única! Não posso... Acabe com isso! Acabe agora!

  Alie colocou todos para fora e fechou a porta. A sala está em silêncio, mas a minha mente grita.
Ele tirou do jaleco uma faca com uma lâmina de... osso?
Aproximou- se e me colocou de pé. Olhou nos fundos dos meus olhos e abriu a camisa de força.

— faça. — ele estendeu a faca.

— eu não consigo... Só acabe com a dor— eu pedi.

— tem certeza que não quer fazer isso você mesma? — ele perguntou e balancei a cabeça — a dor é tão forte assim.

— eu não tenho coragem, então por favor...

  Alie me apunhalou e eu caí no escuro. O rosto dele desapareceu como um sonho que terminou, mas outro rosto apareceu rápido como um flash para eu ver direito.
Uma força me puxou e eu sentir os músculos do meu corpo ficando rígidos. Senti um frio na barriga e vi a luz de novo.
Acordei de volta na casa da bruxa. Fiquei de pé assustada e procurei pela corrente na minha perna.

— você é tão fraca que não conseguiu fazer com suas próprias mãos — ela falou com desprezo — eles sabem disso?

  Segui o olhar dela até o meu braço. Como ela sabe se está coberto?
Neguei.

— prefere salvar outra pessoa?

— eu estou confiante, não é fácil me derrubar — falei tentando ser otimista.

— tome cuidado, você e os outros. Isso que vocês fizeram é perigoso, muita gente não conseguiu porque quando acessam o outro plano é possível deixarem uma porta aberta — a bruxa advertiu — essa porta não é boa, ela deixa a mente vulnerável e fraca. — ela respirou fundo — agora saia daqui, sua última chance está tentando.

  Voltei para a sala. Tomas e Blake estão sentados em silêncio. Os dois estão com olhares distantes.
Sentei no meio dos dois e fiquei em silêncio também. Pensar não é o que eu quero agora, a minha mente só tem um ponto de retorno agora... Aquela sala branca e muito iluminada. Eu ainda sinto a camisa de força me prendendo. Ainda sinto o lugar onde fui atingida.

— como você morreu? — Blake me perguntou — porque você não morre com prata, então o que usaram?

—  era uma adaga com uma lâmina estranha, parecida com um osso.

—  o outro plano sabe de tudo, é estranho. — Blake comentou.

— então tem uma forma de te matar e os fantasmas lá sabem. — Tomas concluiu.

  Não vai haver tempo para encontrar seja lá o que aquilo era. Eu estou morrendo sem ter sido atingida pela lâmina. Allison vai conseguir, afinal.

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