Crônicas de Louise

24- nós éramos dourados

  Estamos todos de pé na luz do sol virados para o corpo de Tomas encima da mesa de madeira feita por Rafael e Blake. Isso deveria significar alguma coisa, mas semana que vem quando as cinzas de Tomas já estiverem espalhadas pelo vento não vamos conseguir impedir nossa mente de esquecê-lo.
Gabriella pediu para não enterrar ele junto com a família em Madrid, disse que Tomas era muito melhor do que todos que estavam lá. Eu prometi levá-lo em Aquinnah, cumprirei essa promessa.
Rafael acendeu a tocha e depois colocou junto com os outros troncos. As chamas consumiram ele rápido, como fogo em palha.

— um dia na escuridão, agora na luz. — Jacqueline e Marie Jane falaram juntas o mantra da família Devereaux.

  A que ponto chegamos, dez vampiros, duas bruxas e uma humana grávida, reunidos queimando os seus mortos. Isso me lembra o tempo no noctem com os enterros extravagantes. Qual era mesmo as palavras?

— no fim e depois do fim. — Wendy falou como se estivesse lendo meus pensamentos.

— no fim e depois do fim. — Annie e eu repetimos.

  Eu deixei a melancólia do enterro e entrei no chalé. Puxei uma cadeira e sentei de frente a Allison, a única coisa que mexe nela são os olhos. O feitiço de paralisação é poderoso, as bruxas que enterraram o antigo Froy garantiram isso. Peguei uma faca na mesinha de centro e enfiei lentamente no pescoço de Allison, ela ainda sente dor e infelizmente, para ela, eu vou garantir que doa enquanto ela respirar. Retirei a faca e limpei o sangue na roupa dela.

— você arrancou os olhos do Blake, não foi? — lembrei do acontecimento passado — será que é uma boa experiência? Vamos testar.

  Enfiei a faca no olho direito de Allison, uma lágrima escorreu pelo esquerdo. Não é preciso ela gritar para transmitir a dor.
Wendy surgiu e retirou a faca do olho de Allison, depois olhou para mim com desaprovação.
Ela levou a híbrida paralisada para o lado de fora sem dirigir uma palavra a mim, eu a segui para ver o fim de Allison.

  Annie se aproximou de Allison, o corpo dela está no chão largado. A fogueira há alguns metros continua queimando intensamente, um cenário bem interessante.
Minha mãe se abaixou e colocou as mãos no rosto de Allison, ela começou a recitar um feitiço e uma luz roxa saiu do corpo da híbrida e entrou pelas mãos dela. O poder de um híbrido visível para qualquer um ver.
Quando Annie terminou o que sobrou de Allison foi apenas pele e osso. É patético ver a super híbrida agora com um corpo desnutrido. Os olhos dela estão vidrados em mim, quer dizer, o olho que sobrou.

— ela ainda está viva. — Penélope comentou.

  Olhei para a fogueira e imediatamente fiz um gesto com as mãos. As chamas se alongaram até encontrar o corpo de Allison, eu as segurei assim até uma mão tocar no meu ombro. Wendy.
Acalmei-me e as chamas voltaram para o estado de antes na fogueira. Só o esqueleto de Allison restou.

— não está mais viva. — falei e me afastei.

  Me afastei do circo e entrei nas árvores e fui para a mesma pedra que eu estava pela manhã.
Penélope, Mike, Blake e Abraham me seguiram.

— eu quero ficar sozinha. — deixei claro.

— não vamos te deixar sozinha, Louise. Somos um clã, independente de qualquer coisa, nós ficamos juntos. — Mike disse e os outros concordaram.

  Eles subiram na pedra e se sentaram ao meu lado.
Então está terminado? A vingança de Allison Nikolaev acabou?
Eu não quero ter mais surpresas, não agora. Eu perdi demais, perdi uma amiga há mais de setecentos anos.

— sua mãe vai embora. — Abraham comentou.

— não me surpreende, é da natureza dela ir embora sem se importar com os demais.

   E novamente é apenas meu pequeno clã e eu com a luz do sol nos protegendo. Sempre fomos tão brilhantes, mas agora parece que tudo se perdeu. O amor, o dourado e minha resistência. Agora eu pareço uma adolescente patética e chorona. Como em 1984.

•••

  A bolsa de Clarissa estourou, Steiner está no quarto ajudando minha mãe no parto. Ela estava quase partindo quando a namorada de Rafael gritou assustada.
Falando em Rafael, estou me irritando com ele andando de um lado para o outro.
O

ciclo é esse, alguns morrem e outros nascem. Espero não participar de outro funeral hoje.

  Peguei um cigarro de oleandro escondido na mesinha de centro e fui fumar no lado de fora, essa espera está me cansando.
A fogueira de Tomas apagou há um tempo, Blake colocou as cinzas dele em uma garrafa de vidro para eu levar até Aquinnah.

— isso tem um cheiro forte. — Abraham apontou para o cigarro.

— é oleandro.

— a droga dos vampiros? — confirmei a pergunta dele — Los especiales não tem um tipo de regra contra isso.

— eles estão mortos — revelei — liguei para um contato meu e ele me confirmou. Allison matou todo o conselho espanhol poucas horas antes de nós atacarmos ela.

— que louco.

— você está bem? — eu perguntei — não tive tempo de realmente perguntar se você está bem, sinto muito.

— eu sou um vampiro criado em um laboratório e sobrevivi a mordida de híbrido... Eu estou ótimo — Abraham falou sorrindo, mas o sorriso logo desapareceu — e você está bem?

— sim. — soltei a fumaça do cigarro.

— Tomas era um cara legal, queria ter tido mais tempo com ele.

— eu também.

  Rafael saiu do chalé chorando desesperado. Acho que o que eu previ desde o início aconteceu.

— ela está morta! — ele falou no meio do choro — não suportou.

— eu sinto muito — falei com um olhar de "eu te avisei" — e o bebê?

— é menino, ele se parece com ela. — Rafael respondeu.

— entre e descanse, Rafael. Viva o seu luto, amanhã vai ser melhor que hoje.

   Rafael entrou como eu sugeri.
Eu não acredito em minhas palavras que amanhã será melhor, mas por enquanto o que temos são promessas vagas para melhores dias que talvez não venham. Clarissa Fuente era uma boa garota, mas humanos e vampiros nunca deram certo, nem como amigos ou amantes. É uma relação condenada desde o início.

  Joguei o cigarro no chão e pisei nele. Sorri para Abraham sem motivo algum.

— nós estamos ferrados — eu falei — e o pior é que não há solução, Helsing.

— a solução é ficarmos juntos.

— é... Talvez seja, talvez não. Tudo depende de nós, não é mesmo? E por isso tudo acaba dando errado.

  Quando o tempo escurece e o céu cai sobre nós a única alternativa é ficarmos juntos. Precisamos rastejar para fora da escuridão para conseguirmos sobreviver, e eu acho que eu já sabia disso. É como vi em um livro: como sairemos deste labirinto?