80. In coma?

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SAN POV

Eu lembro daquele dia como se fosse hoje, meu pai saindo as pressas de casa porque o nariz da minha mãe não parava de sangrar mesmo com ela desmaiada, todos estavam em desespero e eu tive que ficar em casa. Sozinho.

O câncer tinha piorado muito e corria o risco de se espalhar, na escola eu tinha que fingir um sorriso e fingir que tinha tudo sobre controle para não receber olhares de pena, eu odiava aquilo mais do que tudo porque nada daquilo faria com que o câncer sumisse.

Tudo foi ficando pior de acordo com os anos, as pessoas tinham menos empatia pela dor dos outros e pouco se importavam se suas palavras iriam ou não machucar quem as estava ouvindo, eu os odiava e não era segredo para ninguém.

"Ei San, você chupa o sangue da sua mãe como os vampiros fazem?" , eles zoavam.

Eu tinha só dezessete anos quando conheci ele, ainda era muito "novo" para saber sobre todas as dores da vida e como as pessoas podem ser ainda mais desprezíveis, mas eu estava disposto a seguir meu coração e deixar o sentimento fluir. Burro demais, ingênuo demais.

A essa altura minha mãe já tinha ido para a Inglaterra sem previsão de retorno e tudo ficava ainda mais difícil quando meu pai me ligava e dizia que nada funcionava, que tudo só estava ficando pior. Ele era meu ponto de distração, a pessoa que me tirava de toda a dor. Ao menos era o que eu pensava.

Eu me permitia ser eu mesmo, deixava que ele soubesse tudo o que me machucava e ver todas as minhas lágrimas de desespero, mas ele nunca ligou, estava sempre ocupado ou precisava sair.

Era normal, afinal, eu não podia impedir meu primeiro namorado de se divertir por conta dos meus problemas. Problemas esses que pioraram quando eu descobri que era motivo de piada na rodinha de amigos dele, o garoto por quem eu daria minha vida me usava como piada, tinha nojo de mim.

"Eu odeio a forma como ele me toca, eu tenho nojo dele. Tenho nojo de gays como ele.", aquilo doeu como um tiro no peito, eu me sentia a pessoa mais suja do mundo.

Naquele mesmo dia eu experimentei o sabor do álcool pela primeira vez, fiquei tão bêbado que não sabia o meu nome e como se o universo quisesse me ferrar, minha mãe teve uma complicação e precisou fazer uma cirurgia de última hora, com risco de morte. Ali foi o fim, eu não chorei nem nada, passei as horas acordado sentindo o peito doer e a garganta apertar mas nenhuma lágrima saiu.

A partir daí nada mais me abalava, eu era o cara afrontoso e popular da faculdade, sempre com uma garota nova a cada semana. Se alguém se apaixonasse por mim eu não me importava, eu não me apegava a ninguém, eu não sentia nada. Era o que eu mentia para mim mesmo no espelho todos os dias até ver ele, o novato da faculdade.

Seus olhos eram escuros e seus cabelos um pouco compridos, Jung Wooyoung. Eu senti meu coração bater depressa e minhas pernas tremerem como não acontecia a anos, desde quando eu passei a odiar ele.

"É só tesão, eu não me envolveria com alguém, você sabe" , eu mentia para Seonghwa todos os dias quando meus olhos encontravam os dele, era inevitável não sorrir.

Quando ouvi sua voz e sua risada escandalosa pela primeira vez, eu senti meu coração ainda mais acelerado. Ele estava rindo da minha cara mas eu não me importei, ele ficava lindo quando sorria. Como todas as vezes eu me gabava ao meu pequeno grupinho por ter conseguido pegar o novato mas não os dava o prazer de ouvir o quão gostoso ele era, seria demais.

"Você está apaixonado por ele", Seonghwa dizia e eu negava, eu não me apaixonava por ninguém. Nunca.

Esse foi o meu pensamento até aquele maldito dia, ele se cansou de ser tratado como um nada e foi embora sem ouvir um "a", nada saiu da minha boca para impedir ele de ir e aquilo doeu como o inferno. Ele era o cara que me ajudava quando eu entrava em crise por conta da minha mãe, quando eu não conseguia dormir ele me acalmava, ele me fazia sentir algo que eu nunca tinha sentido nem mesmo por ele.

Foi insuportável passar tudo aquilo sem ele do meu lado e sabendo que eu quem fiz isso acontecer, eu não era o único culpado mas era o que mais tinha errado. Eu implorei noite e dia para ele voltar, chorava até dormir por sentir mais uma vez que tinha perdido alguém que eu amava e agora aqui estamos nós, deitados no sofá observando a chuva cair lá fora em um silêncio confortável.

Mas o sentimento ruim ainda está aqui, a sensação de que a qualquer hora o celular pode tocar e meu pai dizer que ela se foi é torturante.

-San? -a voz de Wooyoung está baixa e eu olho para ele- Como você se sente? -deito a cabeça em seu peito de novo e olho para a janela, sentindo o vento gelado alcançar meu corpo.

-Ainda parece que eu estou prestes a morrer. -minha voz está estranha e rouca- Eu sinto meu coração se despedaçando a cada vez que respiro. -falo e ele acaricia meu cabelo sem falar nada.

O celular toca em cima da mesa mas eu não me mexo com medo de atender e ouvir a voz do meu pai, Wooyoung o pega e atende com uma expressão não muito boa e o coloca no viva voz.

-Alô? -ele fala e meu coração parece parar por alguns segundos quando ouço a voz chorosa de meu pai do outro lado da linha.

-San, sua mãe entrou em coma.

Are We Still Us? [woosan] • EM REVISÃO •Onde histórias criam vida. Descubra agora