Estou girando pelo palco, sentindo as batidas da música alta estremecerem de leve a estrutura de madeira pela qual meus pés deslizam.
Para falar a verdade, não estou de fato escutando a música. Apenas sigo os passos da coreografia que decorei e sinto os olhos críticos de Lupa, a professora, sobre mim.
Fora o olhar dela, há também os das outras bailarinas: uns são de inveja, outros são de admiração. São olhos demais sobre mim; eu só queria que não houvesse mais ninguém ali.
Hoje, em especial, não é um dia bom.
Além das coisas óbvias - como todas as redações e tarefas que parecem se multiplicar e nunca terminam, ou o fato de que amanhã será a festa de boas-vindas que a escola faz todo começo de ano letivo e eu sou obrigada a participar, mesmo odiando cada segundo -, há a questão de que hoje fazem exatos 4 anos que Hylla fugiu.
Há 4 anos, eu estava escondida no meu quarto, escutando os gritos da minha mãe e da minha irmã, que discutiam feio no andar de baixo. Lembro de ter colocado uma das minhas sonatas preferidas para tocar no fone, no último volume, e comecei a dançar pelo quarto, até que tudo parecesse distante. Lembro de Hylla abrindo a porta com força, me acordando de madrugada, me abraçando e me dizendo para nunca deixar que nossa mãe me controlasse.
"O que está acontecendo?" lembro de ter perguntado, ainda sonolenta. E foi quando eu percebi a mochila pendendo em suas costas. Lembro de sentir um desespero enorme e as lágrimas turvando minha visão. "Por favor, não vá!"
Hylla estava chorando também.
"Eu te amo muito, ReyRey. Mas não posso mais ficar aqui. Nem fudendo." ela disse e depois deu um sorriso triste: "Volto para te buscar um dia."
No dia seguinte, acordei achando que tudo não passara de um pesadelo, até que minha mãe entrou no quarto dizendo que Hylla não morava mais ali e, portanto, não era mais parte da família. "De agora em diante somos só nós duas e o seu futuro, Reyna. A infância acabou".
Lembro de ter passado o resto da semana assistindo minha mãe montar meu plano de vida perfeito. Lembro de que Nico entrou escondido no meu quarto, trouxe um pote do sorvete caseiro que Tânatos preparara, e me contou que era gay e eu contei que queria fugir, assim como Hylla. Nós passamos horas chorando até que minha mãe mandou Nico voltar pra casa dele e nunca mais nos visitar. Lembro da dor que senti enquanto Belona riscava nomes da minha lista de amizades, determinando quem seria uma má influência. E, por último, lembro de ter aparecido na escola, dois dias depois, fingindo que nada havia acontecido e que eu estava bem.
Fingir, até que se torne verdade.
Todas essas memórias vieram a tona quando acordei nessa manhã, passei pela porta trancada do quarto de Hylla e vi o bilhete de mamãe dizendo que tinha saído para conversar com Quíron sobre o quão injusto era eu ter que socializar com Thalia quando, na verdade, deveria estar focando em coisas importantes, como me dedicar mais ao balé.
Eu tinha tentado argumentar que conviver com Thalia não era tão ruim mas não é como se ela considerasse minha opinião.
"Se você se atrasar mais, vai estragar tudo que montamos no Plano de Vida." ela me dissera.
- Muito bom, Reyna. - Lupa diz assim que termino de dançar. As outras batem palmas. - Estão vendo, garotas? É assim que vocês devem dançar! E não ficar se chacoalhando no palco e estragando nosso tão belo balé clássico.
Vejo algumas garotas corarem e esconderem o rosto; Lupa é muito dura. Todas aqui tem muito potencial, mas a única a ser elogiada sou eu - e sim, eu odeio isso.
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Little Miss Perfect
Fanfiction[au!theyna] Reyna é - e sempre foi - a garota perfeita. É a primeira da classe, presidente do grêmio estudantil, bailarina principal em todas as apresentações; invejada por todos na escola e raramente envolvida em confusões ou festas. Esse padrão é...