AVISO: esse capítulo pode conter gatilhos de crise de ansiedade e homofobia internalizada. Mesmo esquema de antes, respeite seus limites: se quiser pular esse capítulo, vai dar pra entender depois.
Notas: a vocês que vão ler.... peço minhas desculpas adiantas :)
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Eu estou beijando Thalia Grace.
Estou realmente beijando Thalia Grace.
Sei que não estou sonhando quando sinto o abraço dela em minha cintura, me impulsionando para mais perto de seu corpo.
O beijo é calmo e doce, como nunca imaginei que poderia ser; completamente contrário à tempestade tensa que nos persegue desde que nos conhecemos.
Não que eu tenha outros beijos para comparar, claro. Porque é óbvio que eu não conto o beijo que Jason e eu trocamos na peça da escola, quando tínhamos 11 anos - por pura e "espontânea" pressão de nossos pais.
Estar com os lábios nos de Thalia me parece, ao mesmo tempo, certo e errado. É como entrar em um avião sabendo que ele cairá, mas a sensação de voar compensa a queda.
Sua boca tem o mesmo gosto das balas de alcaçuz que comemos horas atrás, misturadas com o álcool da caipirinha e é fácil me entregar à doçura de seu carinho em meu rosto.
É fácil... Fácil demais.
E aí está: o momento em que o avião despenca em alto mar e eu não posso fazer nada para impedir.
Mesmo sabendo que é impossível, pareço sentir o olhar crítico da minha mãe sobre mim. É como se, na janela, eu encontrasse seu rosto decepcionado me dizendo verdades duras demais para serem aceitas.
Eu gostaria de poder parar as espirais que começam a tomar conta de meus pensamentos.
As palavras da minha mãe fazem eco ao meu redor e eu sinto como se estivesse presa à uma caixa de vidro, sem oxigênio algum para os meus pulmões necessitados.
O que ela vai pensar? O que todos vão pensar?
Me afasto de Thalia, começando a me sentir enjoada. Assustada, noto que estou sentindo nojo de mim: não por beijar Lia - jamais seria por isso -, mas por... Por ser assim.
- Reyna? - Thalia sussurra, preocupada. Sua voz parece vir debaixo d'água, abafada pelo som da voz da minha mãe na minha cabeça. - Eu fiz alguma coisa que você não gostou?
Sinto vontade de rir com a ironia disso porque a única pessoa me fazendo mal sou eu mesma.
Quero dizer isso para Lia, porque ela parece insegura e essa é a primeira vez que a vejo assim. Insegurança não combina com Thalia Grace.
Contudo, um nó apertado se forma na minha garganta e minha voz some, se perdendo em algum lugar dentro de mim.
Lia tenta encostar em mim e eu me afasto mais, como se seu toque ardesse.
Isso está errado.
Tem que estar.
É o que dizem, não é? É o que aprendi. Tem que estar. Tem que estar.
Preciso sair daqui. Preciso buscar meu ar.
- Me desculpa. - é tudo que eu consigo dizer, com a voz tão trêmula que tenho medo de Lia não ouvir. Mas é óbvio que ouviu.
Não posso me culpar mais quando vejo uma tristeza inesperada em seu semblante.
Pego minha bolsa e me levanto, sem de fato ver o caminho. Tenho quase certeza que Nico me chamou. Ou foi Jason. Ou Will. Ou apenas mais uma voz indeterminada na confusão que é minha cabeça.
Saio correndo sentindo o vento açoitar meu rosto e meus braços. Está muito frio e tudo que eu visto é um pijama de manga curta. Mas tudo bem, porque eu mereço isso. Por ser assim, por magoar Thalia, por me sentir desse jeito... Eu mereço isso.
Só espero que ninguém me veja nesse estado.
Não quero voltar para casa. Não quero ir a lugar algum.
Quero desaparecer.
A falta de ar se torna insuportável e os sussurros incessantes de memórias passadas e suposições futuras ficam cada vez mais altos. Meus joelhos cedem, enfraquecidos, e eu desmorono na calçada fria.
Aperto as mãos contra os ouvidos, numa tentativa desesperada de fazer tudo passar.
- Por favor. - imploro, talvez a mim mesma. - Por favor, chega.
Hylla era assim. E por isso ela e mamãe brigaram. "Não seja como ela, Reyna. Não seja uma decepção."
- Não seja uma decepção. - repito, baixinho.
As lágrimas que antes turvavam minha visão agora percorrem meu rosto até caírem na calçada, molhando o chão de pedra.
Você não pode arriscar cair do seu trono!
É como ouvir a voz de Belona em todos os lugares. Sentir seus dedos finos pressionando meu rosto e suas unhas bem pintadas me indicando tudo o que eu deveria fazer para ter a vida perfeita.
Abro a boca, como para pedir socorro. Embora, se o resgate viesse, de quê exatamente me salvariam? De mim mesma? Não há saída para a agonia na qual me encontro.
- Não, não, não. - estou murmurando, aflita e abraçando os joelhos contra o peito.
A voz da minha mãe assopra com o vento:
Amor é uma coisa que você não deve conhecer.
Não sei quanto tempo demoro ali, mas em algum momento consigo me reerguer. Seco minhas lágrimas, engulo meu choro, tento controlar a respiração. No entanto, não importa o que eu faça, minha sensação não muda: eu sou errada, defeituosa. Não caibo aqui. Não caibo em lugar algum.
No caminho para casa, meu celular apita com uma notificação. É um email da escola, avisando que acertei 100% do simulado e receberia uma medalha pelo excelente desempenho.
Miss Perfeita... Essa sou eu.
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Little Miss Perfect
Fanfiction[au!theyna] Reyna é - e sempre foi - a garota perfeita. É a primeira da classe, presidente do grêmio estudantil, bailarina principal em todas as apresentações; invejada por todos na escola e raramente envolvida em confusões ou festas. Esse padrão é...