Capítulo 16.

643 54 69
                                    


- Reyna? - Thalia pergunta, como se não acreditasse que sou eu mesma aqui.

 Cuidadosamente, ele coloca o violão apoiado na parede e volta a me encarar com atenção total. Encontro dificuldade em formar frases longas ou discursos emocionantes de perdão, porque tudo que eu quero fazer é acabar com a distância entre nós e sentir seus lábios sob os meus mais uma vez.

Thalia dá um passo hesitante em minha direção e ergue as sobrancelhas, numa pergunta implícita: o que você está fazendo aqui? 

 Tento secar o suor das minhas mãos na calça jeans que visto e dou um passo à frente, deixando agora pouco mais de um metro nos separando. 

 O quarto cai em um silêncio tenso, gelado. Preciso resolver isso, de uma forma ou de outra. Mesmo que o medo da rejeição me diga que o melhor a fazer é correr para longe, não vou deixá-lo falar mais alto dessa vez. 

- Eu não deveria  ter dito nada daquilo. - falo, enfim, me referindo ao dia que nos encontramos no corredor da escola. - Gostaria de poder voltar no tempo e nunca ter proferido nenhuma daquelas palavras, porque te machucar é a última coisa que eu deveria fazer. Você só tem me ajudado desde que nos conhecemos e eu... Eu nem ao menos consigo me lembrar de como era antes  de você chegar.

 O semblante de Thalia está indecifrável. Eu daria tudo para poder ler seus pensamentos. 

 Me aproximo mais e continuo: 

- Não tem muita coisa na minha vida que faz sentido ou que me faz bem. Mas quando a gente se beijou...  Aquilo fez sentido. Foi assustador, porque isso afeta todos os pilares que me ergueram até aqui. Só que eu não posso fugir mais disso, Lia. Não aguento fugir mais de você

 Dessa vez, é ela quem se aproxima, transformando os metros em poucos centímetros. Encaro isso como um sinal positivo. 

- Eu sei que te machuquei aquele dia e quero muito poder consertar isso. Mas se você não quiser, eu prometo que nunca mais interfiro na sua vida. Só uma palavra e eu saio daqui. Eu só... - suspiro, sem saber mais o que dizer. - Me perdoa. 

 Silêncio. 

 O olhar de Thalia é tão intenso que sinto meu rosto esquentar, contudo me esforço pra não desviar o foco. 

 Lia ergue a mão vagarosamente e a ponta de seus dedos passam com delicadeza pelo meu braço, até chegar no meu rosto. Quase fecho os olhos, feliz por finalmente sentir seu toque. 

Me arrisco a colocar uma das  mãos em sua cintura e a outra vai na direção da maçã do rosto de Lia, onde eu deixo um carinho leve. 

 Consigo sentir a respiração delu se misturar com a minha e inclino minha cabeça de leve. 

- Então estamos bem? - sussurro, com meus olhos quase se fechando. 

Vejo Thalia revirar os olhos e sorrir. 

- Não. Você vai precisar me beijar pra ficarmos 100% bem, princesa. - é tão bom ouvir sua voz de novo que não consigo conter outro sorriso. 

 Decido que, pela primeira vez, eu deveria parar de pensar tanto e só agir. Thalia desce a mão para o meu pescoço e eu faço o mesmo, sentindo os cabelos arrepiados de sua nuca. Finalmente, encaixo nossas bocas em um beijo urgente. 

 Sinto um arrepio subindo pela minha coluna, como se criassem asas nas minhas costas, me dando o gosto bom de liberdade que eu tanto ansiei por todos esses dias. E o gosto dessa liberdade é tépido e doce como o beijo de Thalia. 

 Quando nos separamos, Thalia diz: 

- Me desculpa pelo que eu disse naquele dia também. Você estava passando por um momento difícil e eu entendo isso. Você não é nada como as pessoas daqui. 

 Sorrio e puxo Lia para um abraço apertado, inspirando o cheiro bom de seu perfume.

- Tá afim de ficar vendo as estrelas comigo, Arellano? - Thalia diz contra meu pescoço e eu rio. 

- Não negaria isso por nada, Grace. 

Nos acomodamos no banco abaixo da janela - aqueles de leitura, que eu só me dei conta que existia quando Lia me guiou até ele. Ficando eu entre as pernas de Thalia, com a cabeça apoiada em seu peito, e ela fazendo cafuné em meus cabelos e abraçando minha cintura. 

 A noite chega, nos cobrindo com aquele manto estrelado que abençoa cada beijo que trocamos. 

- Sabe, conversando com a Annie e com a Piper esses dias, eu descobri que sou lésbica e assexual. - digo para Lia. 

Ele sorri. 

- Jura? Eu também! - diz, em tom brincalhão. - É tanta coincidência que eu acho que deveríamos nos beijar de novo. 

Eu rio e puxo seu rosto para mais perto, lhe dando um selinho. 

- Mas você está bem mesmo com isso? - Tha pergunta, assumindo um tom mais sério. 

- Não dá pra dizer que consegui superar tudo aquilo que senti ou que aquele sentimento horrível sumiu por inteiro. - admito. - Mas estou tentando. É como Nico me disse: um dia de cada vez. 

- Fico feliz em ouvir isso. Quero te ajudar até onde eu puder. 

Eu sorrio. 

Mas então eu me lembro de minha mãe e meu coração se aperta. 

- O que foi? - indaga Thalia, percebendo minha mudança de humor repentina. 

Nego com a cabeça, como se esse gesto pudesse limpar também todos meus pensamentos ruins - o que, infelizmente, não acontece. 

- É só que... - suspiro pesadamente. - Bom, nem tudo está bem. Ainda tem a minha mãe, a cidade toda e o balé e... Não sei se vou conseguir lidar com tudo agora e não quero arrastar você pra essa bagunça. 

- Princesa, eu deixaria você me arrastar até um campo de guerra, se precisasse. - Lia diz, em um tom calmo. Eu a olho com incerteza, porque por mais que me sinta grata por tê-la por perto, não quero fazer mal à ela mais uma vez. - Sobre as outras coisas... Bem, não precisamos complicar as coisas agora. Podemos manter esse lance em segredo. 

 - Não quero que se sinta mal ou que pense que eu sinto vergonha de você. - digo rápido.

- Ei, fica tranquila. - elu sorri, me olhando com ternura. - Eu entendo. 

 Aproximo meu rosto do seu novamente e beijo seus lábios. 

- Obrigada por entender. - eu digo.

Thalia deposita um beijo em minha testa e entrelaça nossas mãos. 

- Vai dar tudo certo. - eu repito, como um mantra. 



Little Miss PerfectOnde histórias criam vida. Descubra agora