ELA EXISTE?

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Os quatro garotos esgueiravam-se pela pequena viela, curvados na tentativa de não serem percebidos pelos transeuntes. Cada um deles trazia consigo um pedaço de madeira, com cerca de um metro e meio de comprimento e trinta centímetros de largura. A cada esquina que chegavam, paravam e cuidavam o melhor momento para continuar sua sinuosa corrida por entre a vielas que separavam as casas da vila militar. Sabiam que se fossem pegos, a penalidade poderia ser bastante rígida, mas concordaram entre si que o prêmio pela sua ousadia com certeza valeria à pena.

- É aquela ali! - Sussurrou o garoto, de não mais de onze anos que liderava o grupo.

- Você tem certeza, Manutem?

- Tenho sim. O meu irmão mais velho, que já veio aqui, disse que a casa era edificada sobre esse trecho da muralha, e que tinha uma janela lateral muito mais alta que as outras. E ali está.... Vejam.

- É verdade... nunca vi uma janela tão alta. E como faremos?

- Por isso é que trouxemos os apoios, seu estúpido. - Zombou outro.

- Estúpido é você, filho de uma camela!

Os dois garotos já iniciavam um pequeno confronto físico quando foram contidos por Manutem. - Parem com isso! Querem que os guardas descubram nossa presença?

Assim como começou, a pequena refrega foi posta de lado, pois a ansiedade em conseguir chegar até a janela atiçava os sentidos dos garotos, ávidos em poder vislumbrar o que a casa escondia.

Com uma performance que com certeza havia sido exaustivamente ensaiada, cada um encaixou a parte de madeira que trazia na de quem estava ao seu lado, sendo que o resultado final, uma banqueta alta e desproporcional, mostrou-se um tanto quanto aquém do necessário para transpor o obstáculo da altura da janela, mas ao menos era um bom começo. Manutem, o mais velho e maior dos quatro subiu na rústica armação, para logo em seguida ser seguido do segundo maior garoto, que lhe subiu por sobre os ombros. Seguiu-se o terceiro e após este, o quarto e menor deles, o sorridente Hadji, que teria o privilégio de ser o único a poder vislumbrar o interior da casa.

- Conseguiu? - Perguntou Manutem, sentindo sobre seus ombros todo o peso dos outros três.

- Eu não consigo pegar na borda da janela! - Exclamou ofegante Hadji.

- Está muito longe dos seus dedos?

- Estou quase lá...mas falta um pouco.

- Então flexione suas pernas, dê um impulso e pule para agarrar a borda.

- Mas eu...

- Pelo amor de Moloque, Hadji, nós não estamos aguentando mais... faça logo isso!

- Está bem, mas segurem-se firmes.

Sabedor de que teria uma única chance para realizar o pequeno salto, o esquálido Hadji flexionou os joelhos o tanto que calculou ser suficiente para que pudesse impulsionar-se até o beiral da janela. Respirou fundo, fechou os olhos num ato de concentração e sussurrou para os parceiros. - Lá vou eu!

E foram-se, na verdade, todos. Manutem e os outros dois que estavam sobre ele perderam o equilíbrio quando do salto, caindo todos ao chão, não antes de baterem com o corpo na banqueta improvisada. Hadji ao menos conseguiu seu intento, e estava agora dependurado na janela, segurando-se com as pontas dos dedos. Após levantarem-se, os três passaram a incentivá-lo para que se alçasse para dentro da janela.

Pequeno, leve e ágil, não teve muita dificuldade em erguer-se e colocar para dentro da janela a parte superior do seu corpo. Ficou nessa posição, observando seu interior, sem, no entanto, dizer uma única palavra, ou mesmo soltar qualquer exclamação que fosse. Apenas olhava maravilhado, para algo dentro da casa. Passados alguns instantes, e torturados pela agonia da falta de notícia do que ele estava vendo, os três o interpelaram, sussurrando perguntas.

Irritado com a cobrança, o pequeno olhou para baixo, e gritou.

- Fiquem quietos, seus estúpidos.

Ao ver estampado no rosto dos três amigos o espanto, percebeu que ele mesmo fora o único que falara em voz alta, e se estava preocupado em não revelar a alguém de dentro da casa que estava ali, agora ele mesmo se denunciara.

- Ops! - Foi sua última exclamação antes de ser atingido na cabeça por um jarro de cerâmica, que no impacto espatifou-se em dezenas de pedaços, fazendo um barulho que assustou aos seus três companheiros.

O tombo do pequeno Hadji foi acompanhado de um grito que durou o tempo da queda. Estatelou-se no chão erguendo uma considerável quantidade de poeira.

- Você está vivo? - Perguntou Manutem, ajoelhado ao lado do amigo, chacoalhando seu corpo.

- Não, seu filho de um coiote... estou morto, mas fingindo de vivo! - Foi a resposta zangada de Hadji, que já começava a sentir as dores resultantes da queda.

Em meio às risadas provocadas pela resposta espirituosa, os quatro foram interpelados por um morador, que gesticulando e gritando, queria saber o que se passava ali. Levantaram rapidamente o pequeno do chão, e saíram correndo, rindo desbragadamente da sua aventura malsucedida. Quando se sentiram seguros de que ninguém os havia seguido, sentaram-se nos fundos de um grande armazém, e por vários instantes esperaram a respiração voltar ao normal, para então retomarem a conversa.

- E então Hadji, ela estava lá?

- É verdade que ela existe mesmo?

- Sim, é verdade... eu a vi com meus próprios olhos...

A pausa na fala, e o olhar para o horizonte, como que a sonhar, fizeram com que fosse chacoalhado pelos amigos, para voltar de sua viagem mental.

- Conte-nos tudo o que viu! - Cobrou um curioso Manutem.

- Ela é muito mais linda do que haviam nos contado.... Muito mais. Seus cabelos são negros como a noite e se esparramam até um pouco abaixo dos ombros. Ela é alta, forte e tem uma bunda linda...

- Ela estava pelada? - Perguntou Abdelmah, não conseguindo esconder a sua empolgação.

- É claro que estava! Como é que você acha que eu vi a bunda dela?

Os olhos de Hadji brilhavam enquanto descrevia a figura feminina que havia avistado pela janela. Os outros três, boquiabertos, mal continham a expectativa em saber mais detalhes, e pelo visto, quanto mais luxuriantes, mais alegria encheria seus corações.

- Você viu os peitos dela? - Exclamou Abdelmah, quase babando.

- Sim, eu vi... e como vi!

- Conte mais Hadji, queremos saber todos os detalhes...

- Ah, as coxas dela... - Suspirou o extasiado narrador.

- O que tem as coxas dela?

- Ela estava de costas para a janela e eu pude ver aquelas duas colunas...

- Colunas?

- Sim meus amigos, duas colunas de ébano, mais lindas que as colunas do templo de Baal...

- Pelos deuses... então o que se fala a respeito dela é verdade. - Ponderou Manutem, pensativo.

- As histórias eu não sei, mas ela é sem dúvida a mulher mais linda que eu já vi.

- Ora Hadji, isso não é lá grandes coisas, pois você só conhece as gordas balofas das suas irmãs...

E gargalharam a não poder mais, diante do gracejo.

- Vamos voltar para nossas casas, antes que deem pela nossa falta. Agora que sabemos onde ela mora, podemos planejar melhor nossa próxima incursão.

- Você está pensando em voltar lá Manutem?

- Mas é claro, e da próxima vez, eu vou subir até a janela, pois quero ver de perto essa maravilha de mulher.

E assim, rindo e brincando, foram-se de volta às suas casas, na esperança de que um próximo dia lhes traria mais sucesso em suas bisbilhotices.

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