LIMBO

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A sensação de paz era absoluta. 

Nenhum som invadia seus ouvidos e nenhuma sensação física lhe indicava qualquer movimento ao redor. Não sabia nem ao menos se estava de pé ou deitado, dormindo ou acordado.

 Lembrou-se dos tempos de infância, quando no inverno seu pai permitia que ficasse até mais tarde na cama, e cobrindo-se com o cobertor térmico acima da cabeça, sentia-se isolado do mundo, não ouvindo nem vendo nada, sentindo-se apenas reconfortado pelo calor em volta de seu corpo.

Não sentia mais nem calor nem frio. 

Abriu os olhos, mas não viu nada, a não ser a total escuridão que lhe rodeava. Tentou mover a cabeça, braços e mãos, mas nenhum deles lhe respondeu com movimentos.

Veio então à lembrança a terrível imagem de sua cabeça separada do corpo, sustentada numa estrutura e ligada a fios e tubos. Sim, não tinha mais um corpo. Fora reduzido a apenas uma cabeça, nada mais do que isso. Mas agora, nem ao menos isso tinha, pois não enxergava, não ouvia ruído algum e nem ao menos conseguia emitir qualquer som.

Durante alguns instantes tentou ainda captar algo, sentir algo ou até mesmo fazer alguma coisa, mas foi tudo em vão. 

Veio-lhe à mente então a terrível resposta que intimamente estava negando a todo custo.

Morto! Com certeza eu estou morto, pensou. 

Teve vontade de chorar, mas até mesmo isso agora lhe era negado.

Então essa era a tão temida morte? O nada? Ficar enclausurado com suas lembranças, sendo atormentado por sensações de uma vida que não mais lhe pertencia? Por quanto tempo seria prisioneiro dessa terrível masmorra? Tempo... que tempo? Até mesmo essa grandeza não fazia mais sentido, pois como poderia ter percepção dele agora?

Imagens de sua infância lhe trouxeram recordações das perguntas que não parava de fazer ao seu pai acerca de Deus, do céu e inferno, e principalmente da eternidade.

Com muita paciência Arthur lhe explicava conceitos que misturavam ciência e religião, pois afirmava que um homem de Deus não deveria jamais ignorar nenhuma das duas.

- A Bíblia e a ciência invariavelmente levam ao mesmo lugar, mesmo que por caminhos não convergentes. A ciência nunca reconhecerá a Deus, mesmo percebendo a sua existência, e a fé não deve excluir a ciência, pois sem ela pode ficar cega. – Dizia A ele, seu pai.

Quando perguntado acerca do inferno, respondia que este era simplesmente a ausência de Deus. Como Ele era a luz, no inferno haveria apenas trevas. Como Deus era amor, e amor significa relacionamento, no inferno haveria apenas a solidão. Longe da presença divina, haveria apenas o caos.

Então era isso!

Estava morto, e invariavelmente condenado ao inferno. 

Seu castigo seria vagar pela eternidade num limbo, tendo para si apenas as recordações de sua vida. 

Novamente quis gritar, mas não tinha voz, quis chorar, mas não tinha olhos para derramar suas lágrimas. 

Restou-lhe apenas o desesperador sentimento de solidão e abandono.

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