PÉ TRAJADO

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Novamente o sono de Dharmus foi povoado por sonhos, alguns deles pesadelos, mas todos ligados com os fatos que provocaram a reviravolta que agora desestruturara completamente sua vida. 

Quando acordou, percebeu que ainda era cedo, pois não detectou nenhum movimento até onde sua vista alcançava. Ao abrir os olhos, como sempre, foi cumprimentado por Joe, que imediatamente iniciou os preparativos para o desjejum do prisioneiro. O bem-estar deste era a prioridade de sua programação.

Seu coração estava pesado e sua alma conturbada. Lembrou das muitas conversas que tivera com seu pai, principalmente a parceria entre ambos. Ainda estavam vívidas em sua mente as imagens em que ambos se escondiam num dos cômodos do apartamento para juntos orarem a Deus. Sua alma e seu coração nunca ficaram sem resposta, pois uma tranquilidade e um sentimento profundo de paz invadia seu coração toda vez que terminava as orações.

Quando adulto, sempre se questionou se aquelas sensações de paz e alegria seriam devido à resposta de Deus às suas orações ou se eram as palavras de encorajamento e a presença forte do pai que lhe traziam essas sensações. Agora, mais do que nunca isso poderia fazer toda a diferença, mas Arthur estava morto, então quem é que poderia acalmar o seu coração? Quem poderia lhe dizer agora o que tinha de ser feito? Onde o seu espírito transtornado acharia consolo para seu sofrimento e sua angústia?

Resoluto, ajoelhou-se ao lado da cama, baixou a cabeça e de olhos fechados orou em voz baixa, mas audível, como seu pai lhe ensinara. Ele afirmava com convicção de que Deus conhecia nossos pensamentos, mas que os demônios não, que nossas orações em voz alta faziam parte do combate contra o mal. Não conteve as lágrimas ao lembrar do pai. Clamou a Deus por justiça, elevando automaticamente suas mãos à altura da cabeça como que a esperar realmente receber algo do alto. Suplicou por força divina, pela intervenção do Espírito Santo e clamou incessantemente por um milagre.

- Você está passando bem, jovem Milinkhov? – Foi a pergunta de Joe, que em sua programação não encontrou paralelo para o que estava vendo se passar com o prisioneiro. O mais próximo que seu comparativo conseguiu foi a alusão a um provável surto psicótico, que se diagnosticado, requeria uma medicação imediata.

- Estou bem Joe.

- Analisando seu comportamento decidi abrir um protocolo de solicitação médica imediata.

- Isso não será necessário EBS, pois esse é um comportamento natural desses escrotos, faz parte do showzinho que gostavam de dar em público.

Joe, ao ouvir o comentário de Mhadsen, que acabara de chegar, retirou-se para o lado, deixando como sempre o oficial frente a frente com o prisioneiro, que a essa altura já estava de pé, recompondo-se, enxugando as lágrimas que haviam corrido fartamente por sua face.

- Mas que cena mais comovente, não é mesmo? Então, o seu Jesus não lhe deu nenhuma revelação? Não foi efetuado nenhum milagre agora? Nenhum cego viu, nenhum coxo andou e não falou nenhum mudo?

Dharmus estava nesse momento literalmente assustado, não com a atitude do oficial, mas com os detalhes de sua fé que ele parecia conhecer tão bem.

- Vamos lá Milinkhov, testemunhe para os seus irmãos como a mão poderosa de Deus tocou o seu coração. Profetize aqui e agora como é que ele vai libertar você das garras do inimigo, que tal qual um leão anda ao redor rugindo, para matar e destruir. – E riu-se sadicamente do silêncio do jovem.

- Você zomba de Deus, mas ele agirá em meu favor!

- Creio que você não leu corretamente a sua bíblia, pois nela está escrito que a vingança pertence ao seu deus. Como ele não existe, é apenas uma invenção para enganar trouxas, só posso lhe dar a má notícia de que você não terá vingança alguma. Eu, porém, terei todas as recompensas com as quais tenho sonhado durante anos.

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