CONTINUUM - I TOMO - II PETRA-BELLUM 2083 d.C ANJO E DEMÔNIO

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Mesmo quem observasse a região atentamente não conseguiria perceber que ela era habitada. As encostas rochosas que emolduravam a densa floresta dificultavam qualquer tipo de organização humana, funcionando como uma muralha a isolá-los de tudo e de todos. E foi exatamente com esse propósito que eles lentamente a povoaram, primeiramente as encostas e depois a floresta, ocupando discretamente essa área perdida numa antiga zona de guerra. Os antigos referiam-se a ela como sendo América Latina. Agora era chamada simplesmente de "Lar".

Para evitar serem descobertos pelo governo central, foram divididos em células familiares, ocupando pequenas porções de terra, todas distantes umas das outras. As células que possuíam crianças eram deslocadas para a floresta, uma vez que nas encostas o perigo era muito grande, não apenas pela possibilidade de quedas fatais, mas principalmente pela ocorrência de ataques a crianças efetuados por grandes aves de rapina.

Conrad ocupava a primeira moradia, na única entrada da floresta. De início, isso o perturbara muito, pois quando observava o horizonte, em sua mente vislumbrava as tropas oficiais invadindo a floresta, e sua moradia seria a primeira a ser atacada. Com o passar dos anos percebeu que a decisão de fugirem para o Lar foi acertada, e que com certeza o governo nem ao menos suspeitava de sua existência.

A casa era relativamente confortável, tendo em vista que eles não tinham acesso a nenhuma dos benefícios da civilização. Tudo o que construíam era com as próprias mãos e usando restos das ruínas das cidades de outrora. A falta de algum conforto era compensada com a tranquilidade da vida que levavam, principalmente de sua liberdade religiosa. Ele ainda estranhava um pouco a rigidez de costumes que acabaram por adotar no Lar, mas assim como todos os outros, entendeu que isso era necessário para que pudessem se organizar e sobreviver, tanto num ambiente hostil, bem como da perseguição que certamente sofreriam se fossem descobertos.

A ninguém era permitido deixar o Lar, exceção feita aos chamados "monitores", todos homens, que eram os encarregados de excursões para outras regiões, onde buscavam matéria prima para suas construções e subsistência. Por ser pacifista ao extremo, Conrad foi voto vencido quando a cerca de dez anos foram criados os grupos de proteção. Isso ocorreu após numa das primeiras incursões, monitores encontrarem um antigo quartel militar, de onde trouxeram uma grande quantidade de armamentos e munições, e após um longo e exaustivo debate, decidiu-se pela formação de um grupo de proteção, único autorizado a utilizar-se de armas para a defesa do Lar.

Graças ao bom Deus, isso nunca se fez necessário. Enquanto preparava um trecho de terra para o plantio, Conrad orava em seu íntimo, para que jamais fossem descobertos e que os grupos de proteção jamais tivessem a necessidade de pegar em armas. Findo o trabalho ao qual havia se disposto até a hora do almoço, limpou o suor que lhe escorria por sobre o rosto, e rumou de volta a sua casa.

- Terminou mais cedo o seu trabalho, meu amado, ou lhe faltou energia e disposição? - Perguntou sorrindo Johanna, sua esposa.

- É claro que terminei antes minha tarefa... você sabe que sou bem-disposto para o trabalho. - Retrucou, dando um sonoro beijo na sua bochecha.

- Então limpe-se, pois dentro em pouco poderemos almoçar.

- Já estou indo, minha severa senhora. - Brincou.

Johanna prosseguiu no preparo da comida, quando ouviu seu marido perguntar onde estava sua filha, a pequena Beatrix.

- Ela foi colher algumas amoras silvestres para fazermos doce.

- Como estou vendo Robert preparando lenha no quintal, presumo que você a deixou ir novamente sozinha, não é mesmo?

- Lá vem você com as suas neuroses.

ANAKX - O ÚLTIMOOnde histórias criam vida. Descubra agora