A sensação de vazio era maior a cada instante. A própria expressão instante perdera o sentido, pois no estado em que se encontrava, instante não era mais uma grandeza que ele pudesse referenciar, ou que fizesse o menor sentido.
Iniciou uma série de exercícios que havia aprendido em seu treinamento militar para a contingência de quando fosse capturado e posto numa cela solitária, recurso muito utilizado para quebrar a resistência de prisioneiros mediante um interrogatório.
O exercício consistia em organizar mentalmente todas as lembranças e referências de sua vida, colocando-as em ordem cronológica e atribuindo-lhes a devida importância. Foi assim que teve acesso a recordações que a muito não faziam mais parte de suas lembranças. Imagens de sua infância repleta de brincadeiras com amigos, e principalmente, cheia da presença de seu pai. Nas primeiras vezes em que sua imagem lhe aparecia, imediatamente sua mente lhe transportava para o momento fatídico de seu martírio nas mãos de Mhadsen. A imagem estarrecedora da cabeça trespassada pela faca, os olhos esbugalhados e a boca escancarada, vertendo sangue... tudo isso lhe trazia uma dor interior insuportável.
Após reiniciar o exercício por diversas vezes, Dharmus conseguiu enfim expurgar essas lembranças, podendo assim acessar as imagens de dias felizes que havia compartilhado junto a seu pai. Em sua mente podia agora sentir a suave brisa que espalhava seus cabelos enquanto o sol a pino esquentava seu rosto, naquele belo dia em que ambos estavam fazendo um piquenique no parque da Aurora, certamente o mais belo da cidade. Foi nesse dia, enquanto desembalavam os alimentos para a refeição, que Dharmus, emocionado, relatou a Arthur de como Deus havia tocado o seu coração. As palavras agora ecoavam em sua mente, como se pudesse realmente ouvi-las.
- E o que foi que Deus lhe falou meu filho?
- Não foram exatamente palavras pai, foi mais como uma sensação forte.
- Pode me dizer o que sentiu então?
- Ah pai, Deus me mostrou que eu deveria entregar o meu coração a Jesus, pois ele me amava muito e queria tomar conta da minha vida.
- E o que você respondeu?
- Isso foi ontem à noite. Mas eu decidi que quero sim, entregar a minha vida a Jesus, e quero fazer isso junto com você.
O forte abraço que os dois se deram e curtiram durante um bom tempo ainda trazia calor e segurança à sua alma. Lembrou-se das lágrimas de alegria de Arthur enquanto afagava seu rosto de menino. A oração de entrega que fez, seguindo a orientação de seu pai sempre foi um marco em sua vida. Todas as vezes que sua fé era abalada, ele recorria a esse instante, ao momento da sua conversão para dissipar qualquer engano que quisesse tomar conta de seu espírito. A confiança de seu pai em Deus impregnou seu coração durante a juventude, fazendo crescer entre ambos uma parceria no trabalho de divulgação do evangelho, mesmo em tempos tão perigosos.
A lembrança de sua fé inabalável da juventude repentinamente deu lugar novamente à sensação súbita de um imenso vazio. Todas as imagens abandonaram repentinamente sua mente, e nela instalou-se um total silêncio.
Jesus! Onde estava Jesus agora?
Se eu estou realmente morto, por que nem ao menos posso ver ou ouvir a Jesus? Será que fui condenado ao inferno sem ao menos ver o meu Salvador? Que pecado horrível posso ter cometido, para ter tão triste destino?
Ou talvez estivesse preso a esse limbo simplesmente esperando o momento de seu julgamento. Seus pensamentos foram então repentinamente interrompidos por uma voz que jamais havia ouvido.
- Você está pronto, Dharmus Milinkhov?
- O que? - Pensou assustado, com a sensação de que sua mente estava sendo invadida.
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ANAKX - O ÚLTIMO
Science FictionContinuação da saga de Anakx, através do tempo, em busca de sua vingança. Ao mesmo tempo, diversas linhas temporais se entrelaçam, trazendo histórias inéditas, que ao final vão se juntando, num mosaico de intrigas, violência, morte e fé. Num futuro...