XXXVI

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Bianca havia pegado, naquele dia, o carro emprestado de Miguel para levar Rafaella até sua casa antes de ir para o hospital. O frio já não castigava tanto, afinal estavam quase na primavera, porém ainda se agasalhavam bem.

Ela já tinha o dinheiro para comprar seu próprio carro, porém o deixava no banco, rendendo juros enquanto não via que era algo de extrema importância. Havia ido viver em uma república anos atrás justamente para economizar dinheiro, afinal seu pai lhe mandava o dinheiro para a despesa de uma casa grande somente para ela, então conseguia juntar bastante por mês.

-- Você fica muito bonita dirigindo. -- Rafaella elogiou, reparando no semblante sério e concentrado de sua namorada.

-- Obrigada. -- a carioca disse, entrelaçando seus dedos nos da mineira. Ela andava com cuidado, em uma velocidade lenta, afinal Rafaella já havia sofrido um acidente de carro, não precisava de outro.

-- Sei que é seu aniversário, Bi, mas eu posso te pedir algo? -- a loira perguntou, vendo o carro ser estacionando em frente à sua casa.

-- O que quiser, amor. -- a menor disse, se virando para olhá-la. Rafaella desprendeu seu cinto e mordeu o lábio inferior.

-- Me ensina a dirigir? -- Pediu empolgada, reparando a surpresa invadir o rosto de sua namorada.

-- Acho que ainda é muito ce...

-- De novo isso. -- a maior expressou bufando, aparentando estar chateada.

-- Isso o que, Rafinha?

-- Nada. -- Disse, soltando o ar de seus pulmões. -- Nos falamos mais tarde.

-- Não faça isso, Rafaella. -- Bianca disse rindo. -- Sabe que odeio ficar curiosa.

-- É que você pode se chatear. -- a loira disse, olhando para suas mãos.

-- Me dirá depois? -- a menor perguntou e Rafaella assentiu.

-- Olhe, é a senhora Wilson. -- a mineira disse animada, olhando pelo retrovisor a vizinha da frente varrer sua calçada. -- Vou lá dar um oi para ela.

-- Eu te acompanho. -- a carioca disse, soltando o cinto.

-- Não. Você está na sua hora.

-- Mas pode vir algum carro e...

-- Bianca, quando você vai parar com isso? -- Rafaella questionou irritada.

-- Parar com o quê? -- a menor indagou confusa.

-- Com isso de me prender. -- Explicou. -- Eu sei que você me ama e sei que faz pelo meu bem, mas o médico, a psicóloga, a psiquiatra e todo o resto do mundo, inclusive a minha mãe, me indicou fazer coisas de pessoas da minha idade.

-- Eu só queria te fazer companhia. -- Disse, vendo Rafaella arquear uma sobrancelha. -- Tudo bem, é só... que você está progredindo muito rápido. Não sei até onde eu posso te deixar...

-- Você não é a minha mãe para me deixar fazer algo ou não. -- a maior disse irritada e Bianca se espantou. Ela jamais havia visto sua namorada explodir daquele jeito. -- Eu sei que é seu aniversário e eu não quero que seu dia seja ruim, então nos falamos mais tarde.

-- Espere... -- a carioca pediu, segurando suavemente o pulso de Rafaella quando viu que a garota iria abrir a porta. -- Você está mesmo chateada comigo por querer te proteger? -- a loira suspirou e demorou alguns segundos antes de lhe fitar.

-- Você não me deixa nem atravessar a rua sozinha, como se eu fosse estúpida o suficiente para não olhar para os dois lados. -- Rafaella disse. -- Sobre termos relações, eu entendo, Bi, você ainda não acha que esteja preparada, apesar de eu claramente demonstrar que sim. -- Continuou. -- Você não me deixa fazer nada das pessoas da minha idade ou não deixa seus amigos falarem de determinados assuntos quando estou presente, mas eu andei pensando muito nisso.

-- Andou?

-- Sim, andei. -- a mineira disse. -- Tenho certeza de que minha mãe poderia ter te dito: "Não quero você perto da minha filha, ela ainda tem a mente de uma criança." Mas ela não disse, Bi. Sabe por quê?

-- Porque ela confia em mim? -- Bianca perguntou confusa.

-- Também, mas sobretudo, porque ela confia em mim. -- a mineira disse, se inclinando e dando um selinho na namorada antes de abrir a porta. -- Eu preciso crescer, Bianca, e juro que estou tentando. Todos estão tentando me ajudar nisso, mas a pessoa mais importante para mim, além da minha mãe, não está colaborando muito. -- Falou seriamente. -- Bom serviço. -- Rafaella disse solenemente antes de fechar a porta e Bianca sentiu o desejo de sair do carro e ir consertar as coisas, porém estava em sua hora, por isso ligou o carro.

[...]

-- Já estou aqui. O que tinha para falar comigo? -- Ela perguntou a Babu, sem aparente humor.

-- É sobre a sua falta de um tempo atrás, alegando que sua namorada estava doente. -- Ele disse seriamente e Bianca bufou, ela não estava em um bom humor, havia sido superprotetora com Rafaella sem sequer perceber e, o pior de tudo, não havia reparado que isso magoava sua namorada. Que péssima namorada ela era, pensava.

-- Não sou obrigada a ter cem por cento de presença. -- Bianca disse secamente e o homem sorriu, fazendo ela enrugar o rosto em completa confusão.

-- Sabe por que impliquei tanto com você? -- Ele perguntou e a carioca negou. -- Porque eu me via em você, criança. Sempre dedicada, sem vida social, fazia horas extras, tirava as melhores notas.

-- E por que isso é um problema? -- Bianca perguntou com rispidez.

-- Porque eu perdi minha mulher e só fui descobrir nove horas depois, porque não quis atender o telefone, afinal eu estava estudando no meu horário de almoço. -- Ele disse com amargura. -- Ela estava viva e eu poderia ter dado um último adeus, mas coloquei o trabalho acima de tudo. -- a carioca o fitou surpresa.

-- Está dizendo que... só porque com você foi assim, comigo seria igual? Que meu tratou igual a um nada por rancor de você mesmo? -- Ela perguntou incrédula, vendo ele assentir.

-- Mas quando me ligou algumas semanas atrás e mencionou que faltaría por sua namorada... -- Ele disse. -- Vi que era diferente. Eu gostaria de me desculpar com você.

-- Uau. -- Bianca disse, sentindo raiva e ao mesmo tempo dó. -- Está tentando se redimir mesmo.

-- Estou. -- Ele disse, entregando uma folha enrolada com um laço vermelho. A carioca pegou com certo receio, mas quando abriu não pôde crer no que lia.

-- Eu não acredito. -- Bianca disse boquiaberta, sorrindo logo em seguida.

-- Te fiz trabalhar quase o dobro, você está mais do que apta. -- Ele disse sorrindo. Era uma das poucas vezes que a morena o havia visto sorrir. -- Desde aquela ligação eu conversei com todos da universidade e do hospital, você se formaria em julho, hm? -- Bianca assentiu. -- Bem, adiantei seu processo, parabéns, você é oficialmente uma fisioterapeuta.

A carioca nem sabia dizer quando foi que lágrimas haviam começado a descer de seus olhos, mas as podia sentir ali.

-- Você pode ir na formatura em julho, junto com os seus colegas, se quiser. -- Ele disse. -- E bem-vinda à equipe do hospital. A partir de hoje você é assalariada.

-- Muito... Obrigada. -- Ela disse, vendo seu certificado com os olhos brilhando.

-- Eu consegui isso semana passada, mas vi na sua ficha que hoje era seu aniversário, então esperei. -- Ele disse suspirando. -- Feliz aniversário. -- Disse em um sorriso. -- Era só isso. Ao trabalho, Andrade.

-- Babu... -- Bianca o chamou assim que ele virou as costas. -- Você não poderia prever que sua esposa morreria. Você não tem culpa. -- Ele assentiu e a olhou desconcertado.

-- Obrigada, Andrade, você realmente tem um bom coração. --  Ele disse. -- Um dia talvez eu acredite nisso que você disse. -- Ele falou sorrindo tristemente, se virando e saindo dali.

Bianca naquele momento era um turbilhão de sensações. Se sentia mal por ele, feliz demais por ela, com raiva de si mesma por ter magoado Rafaella e finalmente, arrasada por querer compartilhar algo tão grande com alguém que provavelmente não queria vê-la naquele momento.

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Última de hoje.  Espero que vocês ainda estejam gostando.  Beijinhos. 

Em um piscar de olhosOnde histórias criam vida. Descubra agora