METAMORFOSE AMBULANTE

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Mais uma noite que não conseguia dormir.

Mais uma noite de pesadelos, todos estranhamente bizarros como sua ida ao banco e sendo presa por não pagar suas dívidas. Bom, não suas dívidas, mas as de sua mãe. Mas não poderia culpá-la, ninguém pedi para ficar doente.

Olhou mais uma vez para o radio-relógio em cima de seu criado mudo e não surpreendeu-se quando viu que era cedo demais. Passava pouco mais das cinco e meia da manhã e Hermione sabia que se continuasse deitada não voltaria a dormir. Gemeu de desprezo e rumou para o banheiro. Um banho de água fria a faria ter coragem para o longo dia que a esperava.

A ideia do banho deu certo, sentia-se revigorada quando voltou para o quarto. Buscou uma blusa xadrez e seu jeans preto. Calçou os tênis e secou os cabelos, os prendendo em um rabo de cavalo. Olhando o rosto no espelho, constatou que suas olheiras estavam muito marcantes em seu rosto branco, quase a deixando com uma aparência doentia.

Respirou fundo e desenterrou sua pequena necessàire com maquiagem de dentro da gaveta da velha cômoda de pinho.

Podia sentir o medo começar a borbulhar outra vez em sua barriga e não estava afim de vomitar logo pela manhã. Jogou a base que passara no rosto na bolsinha e a recolocou na gaveta.

Saiu do quarto o mais silenciosamente possível e dirigiu-se para cozinha e colocou a cafeteira para coar o café. Enquanto a máquina zumbia, recolheu algumas frutas da geladeira e preparou um pouco de massa para panquecas; deixou tudo em cima da mesa.

Recostou-se na pia e olhou para a porta, encontrando um pedaço de papel no chão. Franziu a testa e caminhou até lá. Não se surpreendeu quando o papel informava o atraso no aluguel. Já era o segundo mês sem pagá-lo e sem previsões de pagar já que Hermione ainda não conseguira um emprego.

Após três entrevistas de emprego e de promessas de entrarem em contato, ela desistia. Com certeza não ficaria com a vaga de secretaria em uma empresa, ainda estava cursando a faculdade. Ou a vaga de vendedora de joias, para isso, precisava que ela soubesse falar pelo menos mais duas línguas estrangeiras.

Estava ferrada, afinal de contas.

O timer da cafeteira a assustou e guardou o papel no bolço da calça. Sua mãe não poderia ver aquilo jamais. Mônica pensava que com o dinheiro de seu antigo emprego, as contas poderiam ser pagar por pelo menos mais quatro meses. Mas a cada dia tudo ficava mais caro e Hermione não viu outra alternativa a não ser mentir.

Cortou as frutas e ligou a pequena televisão da cozinha; passava as primeiras notícias da manhã e o horário estava mais ao canto da tela. Hermione se apressou com as panquecas, sua mãe acordaria logo.

- ...parece que nosso astro não está nos seus melhores momentos, Steele - o comentarista falava em meio um riso. - Rony Weasley foi fotografado socando a cara de um fã logo depois de abandonar um show.

- Parece que ele está se rebelando - a mulher do outro lado da bancada riu. - O que acha que pode ser?

- Uma crise de muita fama? - o homem devolveu com uma pergunta.

- Talvez uma crise de atenção. Nosso astro só está querendo mais fama...

Quanta baboseira eles falavam.

Derramou um pouco de massa na frigideira e enquanto ela assava, o barulho de porta abrindo e fechando a fez assumir uma feição mais descontraída e despreocupada no rosto.

- Filha? - Mônica assustou-se ao vê-la de pé tão cedo. - Já acordada? As seis e quarenta da manhã?

Hermione revirou os olhos e beijou a bochecha da mãe.

- Bom dia para você também, viu?

- Bom dia - a mulher sorriu. - Mas você não acorda tão cedo assim. - comentou olhando a hora na TV.

- O dia hoje é cheio - a morena virou-se para o fogão para fugir do olhar da mãe. - Tenho uma entrevista de emprego marcada para as oito e quinze e não quero chegar atrasada. Tenho que ir no banco retirar dinheiro para pagar a mensalidade da minha faculdade e comprar alguns remédios para a senhora.

Mônica não gostava do tamanho de responsabilidades que a filha já tinha nas costas, uma garota de dezoito anos não deveria está tão atarefada.

- Não precisa encontrar um emprego agora - ela disse e serviu-se com uma taça de frutas. - Ainda temos um certo dinheiro.

Que vai acabar logo. A consciência de Hermione sussurrou.

Tratou de se manter firme e de não entregar a dificuldade que estavam para a mãe.

- Sei que temos - mentiu. Desligou a boca de fogão e colocou a última panqueca no prato. Sentou-se a mesa. - Mas é melhor prevenir do que remediar.

- Sinto-me péssima por não poder ajudá-la. - Mônica soltou depois de uma pausa. - Não tem que assumir todas as responsabilidades por que eu me tornei uma moribunda!

- Você não se tornou uma moribunda! - murmurou Hermione pegando na mão da mulher. - Sua saúde está debilitada e apenas estou cumprindo com o meu dever de filha e ajudando.

- Está desistindo dos seus sonhos - ela rebateu, chorosa. - Saiu do Estúdio 21 e desde então não a vejo mais tocar violão nem cantar.

Hermione fez uma careta. Sua mãe tinha tocado em uma ferida que não estava nem perto de cicatrizar. O Estúdio 21 era a escola de música que a recebera de braços abertos para expressar seus talentos. Foi com muita tristeza que tinha cancelado sua matrícula e se despedido dos colegas.

- O Estúdio 21 não pode mais existir na minha vida - alevantou-se e rumou para o quarto. Não queria chorar. Não quando pensava que tinha enterrado seu desejo de viver com a música.

Mônica afastou a taça e colocou as mãos na cabeça. Sabia que a morena estava sofrendo, mas Hermione sabia ser bem teimosa em um assunto quando queria. Riu sem emoção. Igualzinha ao pai.

- Ah, Wendel - soltou um suspiro. - Estaria tão orgulhoso dela se estivesse aqui.

- Já estou indo - Hermione retornou com uma bolsinha circulando seu ombro. Ela tinha os olhos e o nariz um pouco vermelhos, denunciando-a que tinha chorado. Mônica sorriu e abraçou a filha, sussurrando uma música em seu ouvido.


Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante

Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante


Hermione sorriu ainda abraçada a mãe. Amava aquela música, mas ela também a lembrava o seu falecido pai. Cantavam juntos quando ele a colocava para dormir quando pequena, depois dela reclamar com o pai as brincadeiras chatas que os amiguinhos faziam com ela. Fechou os olhos e deixou as lágrimas caírem.

Por que tudo tinha que ser tão difícil e complicado? Por que ainda não poderia ter seu pai junto com ela? Ele saberia o que fazer, o próximo passo correto a se tomar. A morena se sentia tão perdida! Abraçou mais a mãe e cantou junto com ela.


Eu quero dizer

Agora o oposto do que eu disse antes

Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante

(...)


Mônica separou-se da filha e sorriu com orgulho.

- Seja você mesma e não se preocupe com nada. Tenho certeza que vai conseguir.

- Me deseje sorte - Hermione saiu pela porta com os pensamentos cheios.

Tinha uma estranha sensação de que tudo se resolveria. E isso estava bem perto de acontecer. 

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