Capítulo VI.

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Capítulo VI. - Mamute-bebê

Os guardas já haviam retornado para suas devidas colônias quando o grupo de Fahbrica resolveu se hospedar na casa de Sandra, antes de voltar às estradas.

Claro, a casa de Sandra não era uma mansão. Estava mais para um depósito de colchões, no cantinho do comércio, que ainda por cima era alugado. Sandra e Abraham só usavam sua "casa" como dormitório, uma vez que uma cozinha ocuparia espaço demais.

Portanto, todos estavam nas plataformas altas: Sandra e Aruã faziam o jantar numa fogueira improvisada; Fahbrica estava questionando Abraham sobre a tecnologia que trouxe para trocar; e Gilgamesh fingia que não escutava, falhando miseravelmente.

Era um ambiente afetuoso. Um ambiente no qual não estava acostumado. Apenas viu isso acontecer há mais de 10 anos atrás - o que foi ontem para Oliver. Pessoas conversando sobre bobagens, o cheiro fresco de strogonoff de milho que só Sandra, - agora, Aruã também - sabia fazer, e... Bem, uma pessoa pra conversar.

Observava tudo aquilo de uma marquise de concreto, uma das relíquias de quando o mundo era menos perigoso, até quase cair para pegar uma latinha de refrigerante. Uma confusão de asas não demorou muito para se juntar a ele naquele insight.

- Eae, menino-gelo. Fica frio aí, hein? Haha! - Rafael, sentado do lado de Oliver, tinha sua própria latinha de refrigerante. Sorrindo daquele jeito é que gastavam a tarde toda na rua, brincando no meio de carros enferrujados e se escondendo de homens de terno. Se perguntava se Rafael ainda tinha medo deles.

- Você não vai se cansar disso, né? - Indaga Oliver.

- O quê? De você ter sido picolé de azeitona durante 10 anos? Pode se preparando pra várias piadas, more. - Balançou a cabeça, com um sorriso contrariado. Forçou o anel do refrigerante até surgir um reconfortante silvo. Como diabos, perguntou a si mesmo, aquele refrigerante continuava com gás?

- Qual foi a última vez que tomou um Drozz, Polo Norte?

E Oliver o exumou de seus pensamentos.

Era como se ainda estivesse pulando sobre carros junto do garoto de cabelos rebeldes, que ria junto a si. Anexava a cena a estarem pulando num campo de girassóis, mas estavam mesmo era massacrando - no caso de Oliver, apenas afastando - uma horda de marinetes no caminho para os trilhos do trem. Naquele dia, assaltaram um mercado com gerador e um frigobar lotado do refrigerante Drozz sabor uva. Sentados sobre o vagão caquético, brindaram pelo dia que se acabava.

- Há muito tempo atrás... - Oliver encarou o refrigerante em suas mãos, suspirando. A embalagem meio-plástica, rabiscada pelo tempo, apresentava frangalhos da marca "Drozz", escrita em letras que quase saíam do rótulo.

- Hey? Tem alguma coisa pra me contar? - Rafael empurrou seu ombro, com um olhar infantil de "Não quis dizer merda, mas aproveitando a cagada..."

- Eu perdi uma pessoa especial na minha vida. - Disse Oliver, olhando para o horizonte limitado de concreto e lojas abandonadas.

- É, eu percebi que seus pais não tão aqui. O que houve?

- Não sei. Minha mãe tá desaparecida desde que essa merda começou, e meu pai... -

( Festa? Festa pra quê? )

-... Esquece ele. Eu não estava me referindo a eles. Já superei minha mãe morta e meu pai tá morto pra mim.

- Wow! Pera lá! Tô me lembrando! Seu pai não era o...

- Sim, o âncora do jornal, Rafael! Nossa, você é o primeiro a me falar isso?! - Oliver apenas notou sua agressividade repentina quando percebeu os olhares preocupados vindos de baixo - Desculpa... - Enrubesceu. Não gostava de explodir em público, tampouco pôr seus ressentimentos em quem não tem nada a ver com isso. Mas, também, pra que ficar voltando e voltando no assunto do Adão?! Parece ser a primeira pergunta que todo mundo pensa depois de "Qual é o seu nome?".

Pássaros Quebrados - Livro III - Estrada de EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora