Capítulo XII. (Parte 1)

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Capítulo XII - Na Mais Profunda Lua (Parte 1)

A fogueira criava uma zona de luz alaranjada, repleta de calor e estalidos, na floresta que apresentava a mais atenuante escuridão.

Fahbrica estava encostada numa árvore cujo tronco mais parecia uma pinha que cresceu demais, o que era a maior ousadia que a natureza podia provocar... Ou talvez todos os troncos fossem escamadas, e só ela não sabia.

Afinal, o que ela sabia de verdade?

Olhou para cima quando passos terminaram do seu lado. Sabia que Oliver estava preocupado com o fato do restante do grupo estar na floresta à noite, e isso estava destacado em seu rosto mal-iluminado pela fogueira, mas admirava a coragem dele de tentar consolá-la mesmo assim.

- Você tá bem? - Pergunta ele, com uma cara de quem acabou de morder limão.

- Acho que você já sabe a resposta. - Disse Fahbrica, desviando a visão dele. Fazia algumas horas que Aruã tinha se mostrado uma matraca ambulante. Estranhou de início. Oras, ficou chocada, mas mesmo assim tentou observar o melhor lado daquilo. O real problema daquele "milagre" foi a pergunta que cravou o equivalente a uma espada metafísica em seu coração.

A pergunta que ninguém nunca está preparado pra fazer, por medo da reação do outro, e muito menos ainda quando se vê interceptado por ela.

"Me desculpe, mas eu te conheço?", lhe indagou, com a cara mais embasbacada que a dela.

- Olha... É... Se tá ruim pra você, imagina pra ele, que acabou de aparecer? - Interpelou Oliver, tentando amenizar a situação. -Tipo, ele estava "dormindo", né? Meio que ele acordou agora, e... Deixou o outro Aruã pra trás... - A medida que terminava a frase falha de autoajuda, percebia que não tinha nada de orientação pra dar à Fahbrica. Então, apenas sentou-se sobre as folhas secas, fazendo companhia a sua amiga. - Desculpa. Eu não deveria ser tão insensível. É que você é sempre alegre, claro, você dá medo às vezes, mas não muito...

- Eu encontrei ele num carro... - Interrompeu Fahbrica. Encarava o vazio da floresta como se forças invisíveis estivessem interessadas na conversa.

- Han?

- O inferno tinha acabado de começar. - Fahbrica virou o pescoço para as chamas da fogueira, numa tentativa falha de evaporar suas lágrimas. - E eu tinha acabado de escapar da fábrica que eu estava. Era a fábrica de distribuição de peixes, ou alguma porcaria sem importância assim. Eu estava perdida na baía, a procura de ajuda, mas quando vi o menino da mesma idade que eu, mudo e assustado num carro, no meio da rua, eu... - As lágrimas despencaram de seus olhos. Não foram vaporizadas, e sim liquefeitas, como se debaixo dos olhos tivesse escondida uma geleira.

- Tinham tartarugas ameaçando fazer o que elas mais fazem com carros, e acho que os pais do Aruã tinham abandonado ele no carro porque as portas do motorista e do carona estavam escancaradas e sem sinal de sangue... - Continuou -... O ponto é que eu arranquei ele daquele lugar e sai com ele. Ensinei libras pra ele, encontrei um lar pra nós dois, formamos o elo dos irmãos Carvalho... E pra quê? Pra ele descobrir que é alguma coisa além do que eu sabia, e pior ainda, me ignorar? - Fahbrica encarou Oliver, que sentiu toda a tristeza, as memórias de suas tentativas falhas de apaziguar qualquer coisa pesarem em seu estômago.

- Bem... E você? - Oliver ergueu o olhar, não entendendo a indagação súbita de Fahbrica.

- Oi?

- Como você tá passando por, sabe, o Gilgamesh e tudo mais?

- É... É, né, tá difícil... - Escorou a cabeça no tronco da árvore após um longo suspiro. Sentia necessário expulsar toda e qualquer manifestação ruim em seu peito, por mais que ainda o sentisse apertado. - Eu e ele... Sei lá, pensei que daríamos certo, que venceríamos elos cósmicos juntos e teríamos uma família. E que o final seria morar numa montanha, e tomar café francês toda manhã. Mas aí...

Pássaros Quebrados - Livro III - Estrada de EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora