Capítulo V.

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Capítulo V. - O Diabo.

- E é por isso que eu sou homossexual.

De tantas coisas que poderiam ter acontecido em sua vida, como ter apre
ndido a dirigir, transado com um estranho no porta-malas de um carro ou pulado de paraquedas, Oliver nunca imaginou que estaria discorrendo sobre sua orientação sexual para um alienígena no meio do fim-do-mundo - em todos os sentidos -, depois de passar dez anos congelado num estúdio de televisão.

- Então, você sempre soube que gostava de homens? - Indagou Gilgamesh, atado por algemas nos pulsos e calcanhares. Oliver se esqueceu de como chegaram àquele assunto, mas rapidamente se lembrou.

Tinham acabado de estacionar no Alto do Diabo, que, na realidade, é uma feira livre onde já foi uma estação rodoviária. Mas, é claro, só Oliver sabia disso entre dois adolescentes da década de 2030 e um extraterrestre caçador-de-recompensas. Enfim, Fahbrica e Aruã resolveram ir até a feira para trocar alguns equipamentos adquiridos por algo de valor. E Gilgamesh nem desconfiava que "equipamentos adquiridos" era um sinônimo para "botas à jato, um cano quebrado, e várias outras tranqueiras furtadas de sua nave."

Basicamente, Oliver estava ali pra se certificar que Gilgamesh não descobriria isso. Claro que não era porque estava tão fraco que nem conseguia andar.

Bem, tudo ia bem até que Gilgamesh começou a se contorcer como uma lagartixa com câimbra:

- Hey... Heeey, Oliverzinhoo... - Oliver encarou o outro, que tentava ser sexy mesmo preso. - Tira minhas correntes, vai. Sei que você quer isso.

Oliver sentiu o sangue ferver. Aquela porra daquele alienígena achava que terráqueo gay era bagunça, o que sequenciou a mini-rebelião do Stonewall dentro do carro. Oliver já estava perdendo a voz depois de sua palestra sobre direitos LGBTQIA+ e preconceitos da antiga sociedade humana que ainda existem depois do apocalipse.

Meio que desistindo dessa artimanha nada inteligente, o de cabelos esverdeados apoiou a cabeça no vidro da porta, entediado.

- Você é muito chato, isso sim...

- Oi?

- É! Isso mesmo! C-H-A-T-O! Tipo, quem nega um pedido de transar? Você poderia ter perdido a virgindade àquela noite. - Nesse momento, Oliver descobriu que falou demais.

- Eu tinha, e tenho, 17 anos. E o Wander... Bem, ele tinha 18, mas é bem possível que ele ainda tenha 18 por causa da infecção e...

- O mundo estar acabando também! - Cortou Gilgamesh bruscamente.

- Falou o alienígena. - Respondeu Oliver, com raiva.

- Você que é alienígena!

- Não quando você está no meu planeta!

- Ha! Comprou ele no Mercado Livre, querido?

- E por acaso você sabe o que é Mercado Livre, anjo?

A discussão parecia não ter fim. E era bem provável que não tivesse mesmo.

...

- Se eu acho que foi uma boa ideia deixar o Oliver junto do Gilgamesh? Claro! Se a gente trouxesse os dois, alguém teria de carregar o Oliver, e o Gilgamesh ou tentaria fugir, ou seria capturado por algum comerciante maluco. - Respondeu Fahbrica a Aruã. Andavam entre as plataformas altas, numa camada inferior, até uma escada mal feita de tijolos de apenas dois degraus. Ao subirem, se depararam com várias fachadas de lojas e uma massa absurda de sobreviventes.

"É, mas o Gilgamesh pode tentar fugir e levar o Oliver com ele." - Disse Aruã.

- Fugir como? A gente amarrou os braços e as pernas, e mesmo se ele se desgarrasse, o que ele faria sem essas belezinhas aqui? - Fahbrica deu tapinhas na caixa que carregava, a qual vibrou, metálica, em resposta. Aruã não tinha certeza se carregar aquele amontoado de tranqueira alienígena numa caixa só era seguro, mas Fahbrica não parecia se importar. - Vamos lá, vamos lá... Ah, já sei. Por aqui.

Pássaros Quebrados - Livro III - Estrada de EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora