Capítulo XVIII

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    Capítulo XVIII – O Último Ato.

    Assim que Oliver se dispôs a abrir as cortinas, viu com os mínimos detalhes os corrimãos se esvaziarem de aracnídeos, o balde continuar encostado nas grades e numa teia grossa sendo criado a medida que Oito-Dois descia ao primeiro piso.

    Nunca notara o quão assustadores aqueles olhos podiam ser, mas, quando a livraria se afogou em sombras, pareciam faróis traseiros de um 4×4 dando ré. Esse medo, como um choque, eriçou os pelos de Oliver quando as patas da criatura tocaram o chão.

    – Muito bem, queridos! Vocês fizeram uma peça e tanto para minhas filhas e eu. Nunca pensei que duas horas presos num quarto abafado despertaria tanta imaginação. – Confidenciou a aranha, batendo palmas com suas patas. Se alguém batesse duas agulhas de tricô uma contra a outra, teria o mesmo efeito, o que o fazia imaginar o quão afiadas eram. – Eu já reli Drácula três ou quatro vezes. Já até imaginei um romance picante entre o Drácula e Jonathan, mas nunca algo tão tórrido assim. Senti até um toque descontraído de “A Bela e a Fera”. Meus parabéns! Vocês se tornaram pratos muito apetitosos.

    Até agora, Oliver estava com um sorriso bobo, quase esgueirando sua expressão convencida para dentro das cortinas, a fim de mostrar a Wander sua melhor cara de “Eu te disse, não te disse?”. Porém, com a expressão cerrada e confusa, Oliver apertou as cortinas logo atrás de si. Uma proteção. Seu último ato de resistência para proteger Wander, ainda invisível.

    – E-eu acho que não entendi...?

    Oito-Dois arqueou a cabeça, imitando uma falsa confusão com seus milhões de olhos vermelhos..

    – V-Você disse que i-i-iria nos libertar, não?

    – Disse? Não, querido. Eu tenho ótima memória. – Lembrou Oito-Dois, sorrindo perturbadoramente. – Eu disse que queria que me surpreendessem acima de tudo. Libertá-los? Oh, não, não, impossível! Já ouviu falar de pão e circo? Qual a graça de um espetáculo tão grande sem o que comer?

    Oliver encarou o balde no segundo andar, que os encarava com repreensão, como ao descobrir uma traição. Os olhos nervosos de Oito-Dois devem ter seguido a direção dos de Oliver, porque elu fez a melhor cara de falsa-pena que poderia conceber.

    – Aquilo? Eram só guloseimas, pratos de entrada. Você e seu amigo são o prato principal!

    – Vegeta, olha BAAAIN! – Os olhos da aranha se escancararam de surpresa, e logo miraram o objeto giratório e flamejante que vinha em sua direção. Quando Centésima explodiu em lascas de vidro flamejantes, elu começou a se debater em chamas, se afastando do semblante boquiaberto de Oliver numa valsa diabólica: gritando como um pássaro doente enquanto girava histericamente em seu próprio eixo.

    Deveras fascinado pelo brilho intenso e mortal, mal notou quando filamentos esfumaçados voaram de todos os lugares para  socorrer a aranha mor. Ao fechar-se atrás das cortinas, numa tentativa inocente de sair do campo de visão de Oito-Dois, ouviu a voz de Wander às suas costas.

    – Oliver, aqui! Aqui! – Engatinhando até a beirada do palanque, o viu sair dos bastidores, lhe oferecendo a mão para ajudá-lo a descer. Uma vez em terra-firme de novo, se encararam com cumplicidade. – Pronto, agora, vamos dar o fora daqui!

    A saída estava a pouquíssimos metros do palanque, e graças aos três metros de altura que a barravam, os dois garotos não conseguiram ver o que sobrou de Oito-Dois ao chegarem no outro lado. Contudo, os berros suplicantes eram inconfundíveis, como se uma orquestra de demônios se reunisse para celebrar a saída de Dante para o purgatório.

Pássaros Quebrados - Livro III - Estrada de EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora