Capítulo Dezenove

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Os sintomas sempre seriam os mesmos, não importando quanto tempo passasse, se o conde fosse apenas mencionado ou realmente visto. Aquela era uma verdade que Catarina eternizou em seu diário naquela mesma tarde depois de se afastar da janela, ainda em choque por ter visto Henry Farrow ao lado de uma carruagem, no pátio.

Fora até a vidraça ao ouvir o tropel dos cavalos, abraçada ao livro de Jane Austen, Razão e Sensibilidade, apenas para confirmar que a mãe e a irmã voltaram mais cedo da aborrecida festa beneficente. Marguerite jurou que se divertiria caso fosse, mas ela assegurou à irmã que seria mais feliz na companhia de um romance. Queria se vangloriar do retorno precoce, então jamais estaria preparada para o que encontrou ao olhar para baixo.

Todo seu corpo reagiu quando reconheceu o cabelo castanho, o porte atlético e foi remetida para o tempo em que tolamente pensava nele como Henrycliff enquanto lia O Morro dos Ventos Uivantes. Como se restassem dúvidas, o conde ergueu a cabeça e seus olhos se encontraram. Ela se escondeu atrás da cortina apertando com o livro junto ao peito como um escudo, temendo Deus sabia o quê, e se afastou lentamente.

Logo se acomodou à escrivaninha. Com dedos trêmulos, deixou o livro e pegou seu diário, novo abrigo de uma rosa seca que logo escorregou sobre os papéis de carta. Catarina a pegou e virou dos dois lados, sentindo surgir o receio do reencontro. O que sentiu há pouco tinha sido tão forte que temia desmaiar quando estivesse diante de Henry. Seria um vexame!

Se Lanette pudesse vê-la, decerto a repreenderia. Não compactuava com todas as ideias da amiga progressista em favor das mulheres, mas havia se tornado mais crítica. Não queria um marido que a exibisse ou que a restringisse ao lar. Se nunca fora uma mocinha arfante, estava um pouco pior, o que tornava aquele pequeno surto nervoso uma completa insensatez.

Sua amiga devia estar ali para dar-lhe boas sacudidas, considerou.

Como contava somente com seu diário, nele deixou suas impressões e temores. Em minutos se pegou a escrever algumas aspirações fantasiosas, como descobrir que o conde estava ali para vê-la, que todo tempo de separação ele esteve apaixonado; que seria cordato e atencioso como Benedict, seu amigo e eterno pretendente. O que trouxe forte rubor às suas faces foi reconhecer que não o fazia por romantismo, sim, por licenciosidade.

Talvez não devesse temer aquele encontro, pois a vergonha ao encarar o protagonista de seus sonhos mais quentes decerto a fulminaria, ela pensou ao soprar a folha escrita para que a tinta secasse. Agora lá estava ela, sentada junto à mãe num sofá de dois lugares, numa sala igual à saleta de Apple White, padecendo de todos os sintomas desconfortáveis por saber que daquela vez não haveria escapatória, estaria com Henry. A espera era torturante.

Sem notar Catarina apertava os dedos enluvados, mordia os cantos dos lábios. Marguerite estava sentada num pequeno sofá paralelo ao dela, o amplo vestido e a redonda barriga de seis meses de gestação que ela acariciava ocupavam todo estofado. Junto à janela, Logan fitava a noite ainda clara. Catarina soube que na verdade ele a observava, ao ouvi-lo comentar:

― Minha cunhada parece inquieta. Não gostaria de dividir conosco o que a arrelia?

― É impressão ― refutou, sorrindo. Quando até mesmo sua mãe a encarou com descrença, soube que precisaria de uma resposta minimamente sincera. ― Confesso! Às vezes me pego a pensar em Edrick. Lamento que esteja tão atarefado com a sidreria e a doença de papai. Gosto de vir aqui, de estar com vocês e ver Lionel. Mas, ultimamente venho pensando se é certo deixá-lo sozinho com tantas responsabilidades. Papai realmente não está bem.

― Mudaria alguma coisa se estivesse lá? ― perguntou Marguerite.

― Não, nada mudaria, simplesmente porque não sei nem quero cuidar de alguém doente ― admitiu. Já que confessava, diria tudo. ― Gostaria que papai se recuperasse ou que partisse de uma vez. Acabaria com o sofrimento dele e com o nosso.

Rosa Escarlate [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora