No coche emprestado por um amigo taberneiro, Henry mirava o assento à frente especulando se um dia teria prazer em regressar para a casa que, em tese, morava havia doze anos. Amargura era o que invariavelmente sentia na imponente mansão de quatro pisos, à beira do rochedo que se interpunha entre Alweather Town e o Canal da Mancha; extenso como uma muralha. E não era diferente no momento.
Talvez isso mudasse se não fosse obrigado a dividir alguns momentos com vovó Geórgia, visita tão constante quanto sua mãe, Honora Alweather Farrow.
― Vovó Geórgia... ― Henry murmurou o termo carinhoso que familiares mais próximos usavam para se referirem à condessa viúva.
Tal codinome seria pertinente à matriarca dos Alweathers, com setenta e cinco anos, caso seu frágil corpo não abrigasse uma alma intolerante nem houvesse uma língua bipartida em sua boca enrugada. Para a avó, ele sempre seria um usurpador do que, segundo o princípio da primogenitura, pertencia a ele por direito.
O conde mais uma vez sorriu, zombando de si mesmo.
Anos antes, regozijou-se ao saber que receberia o título nobiliárquico do avô materno, terras e uma considerável fortuna. Tudo por ser o descendente mais velho de uma família com a qual não tinha qualquer vínculo. Ele não festejou, tampouco lamentou a morte de seu antecessor.
Aos vinte e cinco anos, ruim e ambicioso, ansiou que o período de luto passasse para que colocasse as mãos na herança. Por sua total falta de empatia, o primeiro desejo foi seguir para Alweather Town, em West Sussex, vender tudo que recebesse no menor tempo possível e voltar para Worcester, onde nasceu e foi criado até que fosse enviado à Londres para sua formação; tendo por família apenas os pais e por diversão os mergulhos no rio Severn.
Quão tolo e ignorante fora!
Graças à lei que contentou sua ambição, sua perversidade sequer pôde ser posta em prática. Ele se revoltou quando descobriu que herdeiros jamais dilapidariam um patrimônio valendo-se de vendas, sendo obrigados legalmente a viverem daquilo que lhe provesse a herdade. Piorando o que já era péssimo, ele simplesmente repudiou a ideia de se tornar o quinto conde ao conhecer a avó materna.
Henry ainda recordava a expressão de asco da senhora austera e elegantemente envolta em fina seda, joias, plumas e pedrarias ao medi-lo de alto a baixo. Também não esquecia o modo se recusou a segurar a mão que educadamente estendeu antes que iniciassem a reunião particular que ela própria agendou por intermédio do advogado testamenteiro, no escritório do mesmo.
― Não o reconheço como sucessor de meu querido Orson ― foram suas primeiras palavras.
A requintada senhora o olhou com superioridade que o diminuía ainda que fosse mais alto que ela. Cercando-o, analisou com evidente escárnio seus sapatos empoeirados, o traje novo e simples de linho preto, o chapéu de feltro mantido junto ao peito; seu rosto e seu cabelo.
― É tão grosseiro quanto o pai! ― exclamou, aviltada. ― Ocasionalmente, quando sou forçada a me lembrar de Honora, pergunto-me o que a criatura tinha em mente para se unir a um... a um... Céus! Sequer consigo proferir a palavra. E esse horrível tom de pele? Passa os dias a vadiar ao sol como todos de sua raça? Veja sua postura! Não tem a elegância, o porte de um nobre. Nem mesmo parece ser um Alweather! Se Orson tivesse me ouvido, hoje eu não seria obrigada a olhá-lo.
― Pois o que a incomoda, a mim, enche de orgulho ― retrucou, quando perdeu a paciência, imitando-a na altivez. ― Jamais me envergonhei de meu sangue cigano e saiba que não repudio o nome Alweather em consideração à minha mãe, no mais, contenta-me saber que não carrego nenhum traço dessa família.
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Rosa Escarlate [DEGUSTAÇÃO]
Roman d'amourHenry Farrow, oficial da infantaria, herdou título e fortuna do avô paterno tornando-se o quinto conde de Alweather. Libertino experiente, sem vínculos afetivos com a abastada família, de "sangue sujo" graças à veia paterna e pouco familiarizado a p...