Capítulo Dez

98 19 38
                                    


À janela do gabinete, o conde mantinha uma das mãos no bolso da calça e pausadamente aspirava e soprava a aromática fumaça do cachimbo full-bent que tinha junto à boca. Quem o visse, de camisa e colete, juraria que desfrutava de infinita paz. Não era o caso.

Com o olhar Henry acompanhava um barco que, iluminado pelo luar, singrava o Canal da Mancha. Era mera coincidência, mas invariavelmente o mar se movia de acordo com seu real espírito, logo, as águas turbulentas jogavam a pequena embarcação de um lado ao outro, para cima e para baixo.

― Lamento por isso, capitão! ― disse Henry, entre uma cachimbada e outra. ― Deus sabe que eu quis ser alguém melhor. Que o senhor chegue à França em segurança.

― Milorde, trouxe vosso conhaque ― anunciou Elmer ao entrar. ― Dizia alguma coisa?

― Deixe sobre a mesa ― instruiu, sem respondê-lo.

― O jantar estava a contento, milorde? Nada comentou.

― Saciou minha fome, é o que basta ― disse, a mirar a embarcação cada vez mais distante.

― Não quero aborrecê-lo, entretanto...

― Se não quer, não o faça! ― Henry ordenou antes de levar o cachimbo à boca.

― É impossível! Chegou há quatro dias e nada sei. Afinal, teremos uma nova condessa? Até quando devo dizer para sua avó e sua mãe que não retornou? Na terça-feira lady Honora pareceu notar que menti. Sabe que ela me conhece desde pequena e que facilmente me desmascarará. Ela se preocupa com Vossa Senhoria.

― Obrigado por me manter informado! Por ora, isto é tudo, Elmer... Tenha uma boa noite! ― Henry dispensou o mordomo, seriamente, para que este não formulasse novas questões.

Era evidente que sua mãe estaria preocupada com suas idas e vindas. Honora estava perdida, ele também. Até que chegasse à Alweather House, sem um contrato de noivado, não havia atinado quanto ter fracassado o afetou. Não lamentava a perda de uma noiva, nunca a teve, mas fizera planos e estes geraram boas expectativas.

Sem a possibilidade de ter o que almejou, seguiria sendo siel alleen e isso o impacientava. A falta que a mãe lhe fazia era imensa, porém, o aborrecimento provocado por sua avó ― que vivia agarrada à filha do meio como um carrapato ― sempre seria infinitamente maior. Por isso pedira ao mordomo que não comentasse sobre seu retorno e impedisse os criados de delatá-lo.

Não se isolaria para sempre, mas ao chegar, depois de uma breve ida a Londres, reservou boa parte da semana para si. Todos os dias ele acordou às seis horas da manhã, nadou, comeu nos horários estipulados pelo mordomo, deixou que James o vestisse e penteasse como se fosse um incapaz. Nas manhãs dedicou-se aos livros de registros na companhia de Mervyn Walker, contador e administrador da herdade. Durante as tardes, leu estudos sobre o liberalismo e o empirismo de John Locke. E em todas as noites ele repetiu o que fazia no momento, tentava manter a mente vazia, admirando o Canal da Mancha, cachimbando e bebendo conhaque.

Gostaria de ter trepado, mas em seu território Henry não era dado a libertinagens. Um nobre transitório de sangue mestiço não deixaria que os vizinhos, arrendatários e demais moradores de Alweather Town tivessem contato com sua pior versão. Não por hipocrisia ele mantinha certa retidão, sim, por desejo de preservar a ordem e o respeito. Na manhã seguinte, depois que a damiana e a camomila que juntou ao tabaco do cachimbo lhe proporcionasse uma boa noite de sono, esperava estar em sua melhor forma para receber a mãe e a avó.

No sábado, último dia do ano, Henry despertou cedo como de costume, revigorado.

Nadar nas águas frias do Canal da Mancha elevou seu ânimo e, ao voltar para casa, pediu a Elmer que enviasse sua carruagem à vila e trouxesse Honora e Geórgia para o café da manhã. Às oito horas, impecavelmente vestido e penteado por um satisfeito lacaio, o conde as recebia à porta, tendo o mordomo por companhia.

Rosa Escarlate [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora