Capítulo 3: Calvin

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Gen havia ido para a própria casa; e embora eu não admitisse em voz alta (ou mesmo internamente), eu gostava da companhia dela. Eu sempre gostei de sua companhia, na verdade, mas agora era diferente.

Eu gostava de sua companhia porque ela me distraia, me dava alguma coisa para pensar além do oco, as vezes o pensamento mudando de volta para os meus erros, minhas inseguranças, minha dor...

 Gen evitava tudo isso com seu bom humor de sempre e sua incrível habilidade de me tirar do sério.

Bom, me tirar do sério era mais fácil de lidar do que todas as outras merdas que eu venho lidando.

Eu olho em volta no que deveria ser a décima vez hoje, constatando o vazio solitário outra vez, idêntico ao que habitava em mim.

Suspirei, decidindo comer algo antes de finalmente definhar. 

Eu não estava me alimentando bem ultimamente, acho até que posso ter perdido alguns quilos. Minhas calças estavam começando a cair do quadril, mesmo as de pijamas. 

A perca ou aumento de peso podem ser efeitos colaterais dos remédios, minha psiquiatra uma vez me disse. Junto com outros efeitos colaterais como insônia e a entorpecência em todos os sentimentos. A sensação mascarada de estar tudo nos trilhos. 

Bom, eu duvido que isso seja pelos remédios. Eles não tem feito muito por mim ultimamente, mesmo que eu não os tenha abandonado, com medo de algo pior acontecer se eu der um fim neles.

Deus, se nem mesmo drogas de tarja preta conseguiam resolver esse assunto, o que resolveria? Eu tinha medo de descobrir. Medo de descobrir do que sou capaz sem eles.

Mas eu sabia do que eu era capaz. Bem no fundo de minha mente perturbada, eu lembrar  perfeitamente do vinho ruim descer morno junto a incontáveis comprimidos. Eu podia lembrar da sensação, da sensação da morte.

Mordi os lábios forte o suficiente para sangrar, concentrando meus pensamentos nessa sensação. O medo pulsava grosso e eficaz como o sangue em minhas veias, se alastrando por todo o meu corpo.

Eu não sabia porque voltará a pensar sobre isso do nada. As vezes, eu chegava a me esquecer sobre esse dia. Talvez pelos remédios, talvez pelos traumas em si. Eu não sabia dizer.

Mas sabia que pensar sobre esse dia justamente agora não era um bom sinal. Nunca era.

Pisquei, percebendo que estava parado em frente a geladeira a um tempo. Praticamente congelado no lugar.

Procurei por algo para comer, optando por presunto de peru e queijo. Não tinha muita coisa além disso, de qualquer forma. Apenas uma cartela de ovos, leite e uma garrafa de iogurte, que eu tinha quase certeza sobre estar vencida.  

Juntei o queijo e o presunto em um pão de forma estranho que peguei no armário, desejando por algum molho ao mastigar a combinação seca. Imediatamente me servi de um pouco de leite, rezando para tudo descer melhor com o líquido.

Eu perdi o apetite na metade do lanche, franzindo as sobrancelhas ao ver que ainda havia muita coisa para ser devorada. Eu não jogaria comida fora, por isso, decidi guardar o que sobrou na geladeira, decidido a comer de café da manhã no dia seguinte.

Caminhei para fora do balcão, espanando minhas mãos no ar com o intuito de limpar a poeira grudada. Suspirei, estressado com o estado da casa. Eu realmente deveria limpar esse lugar, estava uma zona.

A última vez que eu limpei tudo para valer, foi quando cheguei, um dia depois da noite horrenda no Kansas. Eu não havia encostando nem mesmo em uma vassoura depois disso.

A limpeza ficaria para outra hora, estava me lixando para isso no momento. Ainda não tinha se tornado um problema real, e eu estava cansado para fazer qualquer coisa. Até comer aquele meio pão pareceu um pequeno sacrifício.

Caminhei para a sala, parando próximo a janela, abrindo apenas um pouco das cortinas brancas, também empoeiradas. Encarei a rua pouco movimentada por um tempo, observando que neve já não estava tão espessa, e o sol, se fortalecendo. Eu estremeci ao ver essa cena. A chegada da primavera significava o inicio de outro ano letivo. 

Eu com certeza não estava pronto para outro ano letivo.

Fechei a cortina com força, marchando apressadamente para o sofá, que tinha se tornado minha moradia. Parecia um ninho de gatos, cheio de panos, restos e desorganizado. Eu estaria mentindo se dissesse que não acho reconfortante, e estaria mentindo de novo se não confessasse que era meio imundo da minha parte viver assim. A parte reconfortante era a que prevalecia, de qualquer forma.

Procurei por algo no catálogo de streaming, o que era praticamente inútil já que tudo ali que não era ruim eu já havia assistido e reassistido pelo menos 2 ou 3 vezes. Quando minha mente voltou a trabalhar, eu resolvi ir para o gênero terror. Talvez o medo e os gritos bastassem para calar as vozes em minha cabeça.

''Idiota'', ela repetia sem parar. ''Idiota estúpido e nojento. Tudo isso, tudo que está acontecendo agora é sua culpa''.

Rangi os dentes. ''Você não o merecia, você não merece nada''.

Meus dedos trabalharam para achar algo o mais rápido que eu podia, eu faria qualquer coisa. Assistiria qualquer coisa para parar com esse inferno.

Apertei em um título qualquer, nem chegando a ver a sinopse, a capa não passou de um borrão vermelho para mim.

Relaxei um pouco quando o filme começou, e com menos de 30 minutos, o batucar das vozes havia dado lugar a uma leve sensação de medo e desconfiança, vendo o maníaco matar jovens sozinhos e desamparados sem motivo aparente.

Pulei do sofá com uma cena de matança, minha mente viajando para uma memória de imediato. 

Me lembrei de alguns dias antes de meu aniversário de 19, quando Sean e Gen passaram alguns dias em casa. Resolvemos assistir um filme de terror depois de algumas desavenças (e minha recém descoberta sobre a transexualidade da Gen), acabei me sentando perto de Jason nesse dia, agarrando sua mão e arranhando seu braço em qualquer cena que envolvia sangue (isso quer dizer que houve muitos arranhões e apertos na mão gigante dele). 

Ele não tinha ligado para o fato de eu o estar machucando. Estava se divertindo por ver o quão bobo eu parecia ao assistir a um filme de terror barato.

Engoli em seco ao virar novamente para tela, tendo encarado o lugar que ele estava sentado aquele dia, bem ao lado de onde estou agora. Minha mão estendida onde sua coxa deveria estar descansando.

O medo não era mais o sentimento predominante agora, mas eu preferiria muito que fosse.

Ansiedade venceu e não consegui ver vcs implorando por mais capítulos sem fazer nada, e como esse aqui já tava pronto, resolvi dar esse desconto :)

Off: juro q não vai ficar nisso pra sempre, mas é importante q vcs saibam como eles estão se sentindo e lidando com isso (vcs sabem q eu gosto muito de aprofundar os sentimentos dos meus personagens ne)

Enfim, amo vcs, até o próximo capítulo.



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