Capítulo 15: Calvin

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Pela primeira vez em algum tempo, eu estava bem.

Talvez ''bem'' seja uma palavra muito forte e precipitada para a situação atual, mas é a primeira coisa que me veio a cabeça. Eu estava me curando. 

Sim, essa era a palavra.

A casa continuava limpa, eu tinha começado a fazer algumas faxinas uma vez ou outra, nada muito pesado, como Maya havia aconselhado. Estava no chão, papéis espalhados ao meu redor enquanto eu, como o idiota que era, tentava fazer rascunhos e escrever com o lápis em todos eles. Eventualmente, o lápis ficava preso em meus lábios enquanto eu analisava a profundidade do estrago dos meus desenhos.

Eu estava feliz com os resultados, bem no fundinho do coração. Já tinha algum tempo que eu não desenhava mais, que não criava mais nada. Era uma sensação satisfatória, desenhar outra vez.

Eram projetos simples, de qualquer forma. Teto elevado, vigas a mostra, janelas chão ao teto.... nada de extraordinário. Mas não deixava de ser satisfatório.

As aulas não tinham começado oficialmente, mas os preparativos estavam a todo o vapor. Metade do campus já estava de volta, faixas penduradas nos portões, placas na cidade. O segundo ano prometia ser ainda mais puxado que o primeiro, e eu estava me preparando para ele.

Queria um estágio, algo que pudesse me garantir algum prestígio no futuro, talvez até no momento atual. Desenhar era o que eu podia fazer no momento.

Eu só parei quando minhas mãos pediram ajuda, quando meus dedos estavam sujos de grafite e o lápis com a ponta gasta. Eu ainda tinha um pouco de tecido sobrando, e eu os cortei em pequenos quadrados antes de colar perto das bordas das folhas. Eram tons calmos e bonitos, que lembravam o começo da primavera, o resultado me agradou bastante. Me imaginei vendendo esse projeto, imaginei que alguém gostaria dele tanto quanto eu.

Matemática ainda era um pequeno empecilho em meu caminho, ainda existia certa dificuldade em calcular os espaços corretos e desenhar linhas simétricas. No geral, essa era minha maior dificuldade, mas acabei dando conta. Nada que alguns minutos no YouTube não resolvessem.

Suspirando com um cansaço repentino, me pus de pé, organizando os papéis corretamente e os guardando em uma pasta avulsa. Minhas costas estavam dando fisgadas, indignada por não ter recebido algo a que se apoiar. Minha bunda estava mais plana que o normal por ter ficado tanto tempo sentada no chão duro, e meu braço estava pesado. Mas eu não dei atenção a isso.

Reuni minha pouca força de vontade para subir ao andar de cima, visando o bem maior a cima de minhas dores irritantes. Atravessei o chão liso com rapidez, assim como as escadas, enfim chegando ao meu quarto.

Um cesto estava ao lado de fora, e eu não pensei duas vezes antes de descartar minhas roupas e partir para o banheiro.

Tomei um bom banho, com essências e tudo. Fazia algum tempo que eu não tirava um tempo para mim, no geral porque eu estava tão exausto e indisposto que era difícil até mesmo tomar um banho de mais de 5 minutos. Quando eu ficava mais que isso, era apenas para sentar no chão e chorar até não saber mais o que era lágrimas e o que era água.

Os cheiros calmantes invadiram meu nariz conforme eu esfregava em minha pele, um sorriso satisfeito em meus lábios enquanto ensaboava meu couro cabeludo. Logo, estava completamente limpo e um bocado aliviado. Minhas costas não estavam tão tensas, mesmo que meu braço ainda doesse. E minha bunda não estava mais dormente, o que eu considerava um bom sinal.

Escolhi uma camisa qualquer para vestir, ignorando a blusa preta dobrada a perfeição e a jaqueta do time. Não estava pronto para jogar aquilo fora, mas também não queria molhar roupas com minhas lamentações outra vez. Então, por hora, eu iria ignorar a existência delas. Do mesmo jeito que eu fazia com os donos daquelas roupas.

Passei uma blusa com estampa animada pela cabeça, batendo um pouco a baixo do inicio de minhas cochas. O mom-jeans não estava tão ruim, e o tênis de cano longo estava limpo. 

Parecia algo que o antigo Call usaria, mas com algumas modificações que o novo Call achou necessário. Uma boa junção, diria.

O celular na cama começou a vibrar de repente, e me dei conta de que estava pensando em coisas bobas ao invés de me organizar. Puxei o aparelho dos lençóis, colocando o óculos que pendia na cômoda antes de descer as escadas com rapidez.

Não tinha tempo para um café da manhã descente, mas ainda precisava comer alguma coisa para tomar as pílulas (Maya disse, com muita raiva, que eu tinha que comer antes de tomar remédios de tarja preta), então tive que me contentar com um pedaço de pão e a garrafa de água que tinha sobrado na geladeira.

A cidade estava com um clima agradável, o inverno não estava mais em plano de fundo, ao invés disso, o vento fresco da primavera jazia. Não esbarrei nas pessoas no caminho, estava andando como um ser humano normal dessa vez. 

Jhon olhou para mim no momento que o sininho da porta soou, parecendo bem feliz em deixar o balcão.

-Sabe o que fazer- disse, jogando o avental de cintura em minhas mãos.

Revirei os olhos, mordendo a língua para conter um insulto. Eu precisava muito comer e pagar as contas.

Eu atravessei a loja enquanto amarrava o avental em um nó na cintura, meu humor murchando em tédio enquanto observava os rostos convencidos de alguns dos clientes impacientes na fila, todos com lançamentos em mãos.

Sinceramente, eram livros bem entediantes. Com autores que incentivavam gente elitista a ganhar mais dinheiro, enquanto lucravam para isso. O tipo de gente que deve falar ''All lives matter'' em um protesto racial.

Jhon tinha se enfiado sabe se lá Deus onde, e eu entendi sua felicidade em deixar no balcão no momento em que tomei seu posto. Ser caixa de gente com cara de bunda era algo terrível, além do mais, eu não sabia direito como funcionava o caixa. Aquela coisa me assustava e aquela gente toda estava me deixando nervoso. 

Fiquei grato quando notei que a maioria das pessoas optavam por usar o cartão, mas minha felicidade momentânea morreu no momento em que uma mão estendeu uma nota de 100 para mim.

Eu estava apavorado com a possibilidade de entregar troco errado, principalmente nos centavos, e as pessoas na fila não pareciam muito dispostas a dar um tempo para que eu conferisse o dinheiro. 

Eu quase tremi quando tirei o dinheiro de suas mãos, passando o livro no escâner logo depois.

Franzi as sobrancelhas para a capa. Aquilo não era um best-seller para gente rica.

Era um romance gay.

Levantei os olhos para o dono do livro, minha respiração presa em minha garganta ao constatar quem era.

O não-Jason estava ali. Uma sobrancelha arqueada em curiosidade e os lábios finos curvados em um sorriso divertido. O cabelo castanho caia perto sobre olhos, e ele parecia estar incomodado com isso, já que penteava os fios para o topo da cabeça de tempos em tempos.

-Oi- disse.

Eu pisquei, me sentindo ridículo.

-Hm. Oi.

Eu fiquei lá. O encarando, ele encarava de volta.

-Algum problema?...- ele gesticulou para o livro e o dinheiro em minha mão. Me senti mais ridículo ainda.

-Oh. Não, nenhum. 

Eu puxei uma calculadora para somar o pedido, temendo que meu resultado mental me sabotasse. Acabei me atrapalhando na hora de puxar as moedas, como era de se esperar, e senti meu rosto esquentando quando ouvi a risada do garoto.

-Desculpe- disse, depositando o dinheiro em suas mãos.

Nossos dedos se tocaram no processo, mas ele não pareceu se importar, já que não retirou a mão. O dedo médio esfregou no meu, bem de leve. Quase imperceptível.

Olhei em seus olhos, o coração disparando. Receio tomava conta de meu corpo, como se eu estivesse fazendo algo errado. 

Os olhos dele eram escuros, mas ainda era possível ver sua pupila. Intensos.

-Me chamo Billy- disse, despertando meus pensamentos. -Não me apresentei da última vez. 


Depois de você - BxBOnde histórias criam vida. Descubra agora