Capítulo 1: Calvin

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Ninguém nunca me contou sobre o que acontecia quando as coisas saíam de cena. O último beijo de um casal em um livro, o último close apaixonado em um filme açucarado..

E se um deles fosse atropelado e morresse depois desse último beijo ao atravessar a rua? E se brigas violentas começassem depois do último close?

E se o amor de sua vida visse seu antigo crush te beijando sem autorização e achasse que era isso que você queria? Que foi você quem começou tudo? 

Eu tenho me perguntado muito sobre essas coisas, nesse momento em especial. Usando calças de pijamas largas enquanto encarava meu reflexo aterrorizante na tela preta da TV, com os créditos de outro dos meus intermináveis filmes de romance barato passando.

-Isso é algum tipo de tortura pessoal?- Gen me perguntou, de sobrancelhas franzidas enquanto mastigava um punhado de pipoca doce. Ela me ofereceu um pouco, e apenas o cheiro me fez querer vomitar meu almoço.

Se é que havia sobrado algum resquício dele de três dias atrás.

-Você deveria comer algo doce. Parece a ponto de desmaiar a qualquer momento.

Eu lancei a Gen um olhar frio, sem nem mesmo me virar para a tela da televisão ao colocar outro filme de minha lista. Ela não pareceu se importar com isso. Na verdade, ela enfiou outro punhado de pipoca goela a dentro ao me analisar.

-Vá embora- eu praticamente gemi, até mesmo falar parecia cansativo. Como se só o fato de ter que abrir a boca exigisse toda e qualquer força de vontade que eu ainda possuía. -Você só sabe me dizer o quanto eu estou péssimo nesses dois dias que você dormiu aqui.

-Não pretendo ir a lugar algum- ela declarou, se virando para a tela como se eu não a tivesse expulsado friamente de casa.

-Pensei que términos serviam para a pessoa ficarem sozinhas e refletir- eu respondi, colocando ênfase o suficiente no ''sozinhas'' para não passar despercebido nem para a folgada da Gen.

-Ele nem mesmo disse que vocês terminaram, garota dramática- ela disse, pronunciando o ''garota'' de forma idêntica a mulher de um reality que eu andava vendo. O nome da garota era literalmente Aisha, ela usava tranças roxas e era bem encrenqueira. O reality era extremamente ultrapassado e barato, é claro, mas era melhor do que pensar. Qualquer coisa era melhor que o castigo de ficar preso com o próprio cérebro listando todas as coisas que você fez de errado ao longo da vida.

-Ele foi embora sem olhar na minha cara e está desaparecido desde então. Não acho que namorados façam isso.

-Ele precisa de um tempo- ela ralhou.

-Isso é ainda pior que um término. Da o direito de você sair dormindo com quem aparecer pela frente e voltar para a pessoa que você fez de idiota depois.

-Isso foi bem específico, você está bem?- Gen perguntou, com um sorriso presunçoso.

Não. Eu não estou bem. Estou usando essas mesmas calças a cinco dias, e eu não lavo o cabelo a no mínimo uma semana. Eu quase disse, mas admitir uma coisa assim seria ainda pior de escutar em voz alta, como se os problemas não fossem reais caso não fossem proferidos da boca para fora. 

Ao invés disso, eu apenas dei de ombros e disse:

Estou apenas pensando demais que aquilo- eu apontei para tela. Para Landon Carter enquanto o mesmo realizava os desejos de Jamie -...não está acontecendo comigo.

Gen balançou a cabeça, como se já tivesse visto o suficiente.

-Eu nem quero saber como você assistia a essa velharia enquanto falava comigo. 

Eu deveria ter visto esse filme pelo menos um milhão de vezes. Sabia que cena era apenas pela trilha sonora, mas Genevive não precisava saber disso.

-Não falarei sobre isso.

-Sim, poupe suas palavras. Você poderia tomar um banho ao invés disso.

Ela estava certa, embora eu quisesse que ela desaparecesse da minha frente nesse momento. Nem mesmo eu estava suportando o cheiro de azedo que vinha de minha pele e meu cabelo estava sujo ao ponto de coçar, por isso, (e apenas por isso), me pus de pé com certo esforço, deixando Gen e ''Um Amor para Recordar'' para trás e seguindo caminho para o andar de cima.

O chão estava em um estado deplorável. Tão empoeirado, que a habitual cor lustrosa dava espaço para algo opaco e sujo. O resto da casa não estava diferente: uma pilha de pratos me esperava na pia, assim como o cesto de roupas sujas ao lado da maquina de lavar e o fogão grudento na cozinha.

Eu estava ficando louco. 

Uma parte minha gritava com esse comportamento. A falta de zelo, a sujeira e a bagunça. Eu simplesmente não sou assim, não consigo viver em paz com essa bagunça e..

Mas outra parte minha... uma parte mais forte e inabalável dizia que não importava.

Quem liga para poeira e louça para lavar? Quem liga se eu não tomo banho a semanas e não como direito? Nada disso importa no final.

O metal frio da escada feriu meus pés, despertando-me parcialmente de meus devaneios até que chegasse ao chuveiro. Eu mal havia notado que tinha feito o caminho do quarto, retirado a roupas, ligado o chuveiro e fechado o box até que a água quente caísse em minhas costas.

Foi um alívio sentir aquilo, mesmo com o susto da percepção. A água relaxou meus músculos, tanto, que em algum momento tinha se tornado insuportável permanecer de pé. Eu simplesmente desabei; os azulejos machucando minhas costas, frios demais em comparação a água quente.

Permaneci imóvel, incapaz de fazer qualquer coisa além de olhar a água se espalhando pelo chão, passando por meu corpo, cegando meu olhos conforme gotas se acumulavam em meus cabelos. 

Aquilo pareceu me curar naquele momento. Não fazer nada. Não pensar em nada além do barulho contínuo da água.

Mas até mesmo banhos não são eternos.

Eventualmente, eu tive que deixar o banheiro. Apenas porque Gen bateu a porta incontáveis vezes, desesperada, de forma que eu não conseguia mais ficar em paz em minha bolha de silêncio pétreo nem se eu me esforçasse. Me lembrei de como Gen sempre conseguia aparecer nos momentos errados, 70 por cento das vezes que eu e... ele não nos beijamos, foi por causa dela.

Mas eu não podia ficar bravo com ela agora, nem culpá-la por nada. Não foi ela que deixou um cara enfiar a língua em sua boca enquanto namorava outra pessoa.

Ela me deixou sozinho para que eu pudesse me vestir, me lembrando outra vez de que estaria no andar de baixo, no quarto dele, se eu precisasse de algo. Eu não respondi nada, estava cansado de mandá-la embora e não ser atendido, o silêncio passou a ser mais que bem vindo para assuntos que eu não podia interferir, além de que o silêncio também passou a ser uma companhia bem agradável.

Eu estava pronto para vestir uma das peças de meu guarda roupa, procurando por algo largo e confortável quando paralisei. 

Minhas mãos pararam de se mover no momento em que tocaram no tecido preto e mau dobrado, jogado em um canto qualquer. Eu rezei para que não ser o que eu estava pensando enquanto desdobrava a camiseta, meus movimentos automaticamente lentos.

Jurei por um segundo que meu coração tinha parado.

Era dele. Provavelmente esquecida de ser incluída na mala no meio da correria da viagem. Não era de se espantar, ele tinha um milhão de camisetas pretas, e essa provavelmente não deve ter feito falta.

Além do mais, ela era gigante e confortável, e foi só por isso que eu a vesti. Não me importava se aquela blusa ainda tinha o seu cheiro, que era dele. 

Eu não ligava.

Mesmo assim, eu fui para cama depois disso. A garganta entalada e os olhos ardendo, me agarrando ao tecido o mais forte que meus braços fracos conseguiam. 

Depois de você - BxBOnde histórias criam vida. Descubra agora