Capítulo 23: Jason

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Meus olhos lutavam para permanecerem abertos naquela luz capaz de cegar. Por um momento, pensei que poderia estar no paraíso ou algo assim, porque tudo que eu enxergava era branco e limpo. Mas aquilo não poderia ser o paraíso. O paraíso teoricamente não tinha dor, fadiga e nenhuma outra merda, e meu corpo doía como o inferno agora.

Então eu consegui mover a cabeça para o lado, tendo a visão perfeita de um amontoado de fios enfiados no meu braço, e as parafernálias que estavam conectadas neles. Merda.

Pensei em me levantar e arrancar essas coisas do meu braço, mas algo em mim disse que essa seria uma ideia estúpida. Até para mim. E além do mais, eu não sabia se queria mesmo isso. A cama até que era bem macia e meu corpo parecia ter sido atropelado por um caminhão, e depois espancado com tacos da baseball. Então eu permaneceria deitado, por enquanto.

Eu engoli em seco com desconforto. Minha mente trabalhava com possibilidades no momento em que meus olhos se abriram, e depois de notar os fios.. 

Bem, acho que as coisas podem ter saído do controle.

Bem, saiu muito do controle. Eu meio que queria gritar, chorar e quebrar a coisa mais próxima. Mas é claro, eu não podia, porque estava imobilizado com essas merdas enfiadas em mim. Então eu olhei para o teto, o branco cegante da luz tomou conta de meus sentidos outra vez. E por um momento, tudo se resumiu aquela luz. Tentei me convencer de que tudo era sobre essa luz, que nada importava. Que eu voltaria a dormir em alguma hora e que nada disso importaria, tudo estaria no passado. Porque.. 

Porque eu não queria viver isso. Não outra vez.

Mas nem o branco era capaz de mascarar as lembranças, que rasgavam caminho por minha mente e preenchiam tudo. Eu me lembro de ter começado a beber, mas não era grande coisa, porque eu sempre estava bebendo. Então algumas... coisas, que eu não queria me lembrar vieram a tona. Então eu não queria lembrar. Eu queria dormir.

Eu vi aqueles remédios pairando na cômoda, e me lembrei como eles me deixaram sonolento rapidamente. Então eu tomei.

As coisas começaram a ficar escuras rapidamente depois disso, mas as lembranças ainda estavam claras para mim. Me lembro de ter corrido até o celular, com meus movimentos retardados ao meu ver, e então ter tentado ligar... ligar para ele. Mas não foi ele que atendeu. Quem quer que fosse, começou a fazer perguntas intermináveis, mas tudo que eu pensava era no sentimento incomodo de não ter conseguido falar com ele.

E eu estava aqui agora. Vestindo uma camisola e olhando para a luz como se aquilo fosse resolver todos os meus problemas. Era cômico.

-Como você está se sentindo, Jason?- uma voz masculina questionou, em um tom calmo e padrão que me lembrava atendentes telefônicas. Quando direcionei meu olhar para baixo, encontrei um cara vestindo jaleco e segurando uma prancheta.

-Com sede- eu respondi, e era verdade. Eu só havia me dado conta de quão seca estava minha garganta quando abri minha boca para usá-la.

O médico suspirou, como se não fosse isso que ele esperava ouvir, mas começou a rabiscar na prancheta mesmo assim.

-É normal. Você fez uma lavagem estomacal e quase perdeu um rim. Os soros só evitam sua desidratação- ele apontou para a bolsa cheia de líquido ao meu lado com a caneta. -Vamos te providenciar água depois de alguns exames, só para ter certeza de que está tudo bem.

Não senti que estava na posição de fazer perguntas ou reclamar sobre algo, já que estava nessa por ser burro o suficiente para misturar remédios e álcool. Então apenas maneei com a cabeça para ele. Eu já havia endireitado minha postura a essa altura, sentado contra a cabeceira pálida e desconfortável enquanto esperava por meu veredito.

Uma enfermeira apareceu pouco tempo depois, me picando rapidamente com uma agulha e falando os nomes difíceis dos exames para qual o sangue seria utilizado. Como com o médico, eu apenas fiz que sim com a cabeça, e logo, eu estava sozinho no quarto outra vez. Com o braço que foi ferido com a agulha doendo como se tivesse sido socado.

Pelo menos eu não estava mais com sede. O médico disse que os exames de Raio-X não mostravam nenhuma anomalia, e que eu não tive nenhum outro efeito colateral desde que acordei, então me entregou uma garrafinha de água e um canudo como recompensa.

Percebi que deveria ter anoitecido em alguma hora. O clima do hospital estava mais escuro visto da persiana aberta, a outra cortina, a que dava para a cidade, estava bem fechada. Meus olhos começaram a pesar, conforme o foco em uma poltrona esquecida do lado de fora ia ficando borrado cada vez mais. As lembranças vieram fracas dessa vez, como um canal que ia ficando sem sinal. Eu via lapsos de minha mãe, os olhares vazios dela. Via as brigas com Calvin, via a garrafa em minha mão. Tudo tão destoado que parecia um filme caseiro.

Então a porta foi aberta com relutância, a figura com o rosto sombrio por estar contra a luz. Tentei focar no rosto ou algum detalhe que eu pudesse diferenciar, mas tudo parecia fraco e cortado, como minhas lembranças sonolentas. Ouvi a figura afundar na cadeira ao meu lado, suspirando todo o ar de seu corpo de uma forma preocupante para cacete. Então sua mão deslizou sobre a minha, tremula. Por impulso, pensei em tirar minha mão dali. Pensei em afugentar o estranho, talvez até chamar uma enfermeira para chutar a bunda dele.

Mas eu reconheci a sensação. O toque leve e quente, os dedos receosos e inquietos presos contra o meu com força. Como se eu pudesse escapar dali.

-Você me assustou- sua voz sussurrou, receosa e quente como seu toque. 

Meu peito afundou, não daquele jeito ruim que nos deixa mal, mas daquele jeito que nos faz vibrar ao ver uma festa surpresa ou ver o por do sol em um lugar bonito. Daquele jeito que faz você pensar que é eterno, que tudo é mais colorido e vibrante, que você mal pode se conter em seu próprio corpo. A luz na cabeceira iluminou metade de seu rosto quando ele se aproximou, mostrando seus olhos úmidos e cansados. O nariz bonito e a boca curvada.

-Você estava chorando por mim?- eu perguntei, engolindo sentimentos e palavras não ditas com um empurrão incomodo.

Então ele piscou os olhos cor de mel para mim, que estavam castanhos na pouca luz. Me olhando como se não pudesse acreditar que se preocupou com um idiota estúpido como eu. E ele provavelmente estava certo.

-Desculpe, huh, por.... você sabe... te fazer chorar- eu disse, tossindo e tropeçando nas palavras como um pirralho de doze anos.

-Não se preocupe, não foi a primeira vez.

Touché

-Eu...- olhei para os seus olhos, tão puros e claros mesmo mal iluminados, que pensei que queria paralisar no tempo. Continuar encarando seus olhos para sempre, nunca dizer a coisa errada ou fazê-lo chorar. -..eu sinto muito. Muito. Muito. Muito mesmo. Do fundo do meu coração fodido, me desculpe.

Então eu me inclinei para ele, mesmo que todo o meu corpo protestasse a isso. Que se foda. Ele estava aqui. Aqui. Havia cortado quilômetros e esperado ao lado de fora sem descansar por mim. Ele está aqui por mim. E... e eu não queria deixar isso escapar por entre meus dedos outra vez.

-Eu te amo. Eu sei que tudo ficou uma bagunça, e que eu não fui bom para você, eu não sou bom para você, mas eu quero ser... e.. droga, olha onde estamos. Eu estou sendo vigiado por enfermeiras raivosas e passei sede a maior parte do dia, e aparentemente, eu quase morri. Mas eu tenho isso pelo menos- olhei para os seus olhos outra vez, seu peito subindo e descendo descontroladamente -Eu sei que não mereço você. Realmente não mereço, mas eu não consigo mais fazer isso. Não sem você.


Depois de você - BxBOnde histórias criam vida. Descubra agora