Capítulo 7: Calvin

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Eu acordei com uma dor nas costas sufocante. Meu corpo dobrado e estirado de formas que eu nem sabia ser possível, cheirando a desinfetante e totalmente no escuro. 

Eu havia dormido no chão. Na porta do quarto do Jason.

A esponja e o pano ainda me faziam companhia, deitadas no chão limpo assim como eu.

Não sabia exatamente como cheguei a esse ponto. Desmaiar no meio da casa, imundo. Talvez tivesse sido pelo pico de energia aleatório depois de dias a fio definhando aos poucos, talvez fosse pela falta de comida em meu estômago necessitado ou algo a mais que nem mesmo eu podia descrever.

De qualquer forma, eu acabei aqui, deitado na porta do meu ex namorado. E por um bom tempo se quer saber. O sol não estava no céu quando abri a janela, e constatei que se passaram exatas 24 horas desde que resolvi hibernar.

Isso me assustou de verdade.

Me apavorou tanto, que eu não pensei duas vezes em tirar as roupas sujas de produtos de limpeza e colocar direto na máquina, correndo para subir as escadas e me amaldiçoando por isso momentos depois. Meus joelhos quase fraquejaram no meio do caminho, e eu temi ser encontrado seminu e de pescoço estilhaçado ao pé da escada. Morrer por câimbra parecia uma forma bem ridícula de deixar esse mundo.

Me concentrei nos meus joelhos, recuperando um pouco da minha força antes de voltar a caminhada para o banheiro. 

Soltei um suspiro agradecido quando senti a água caindo em meu corpo, relaxando meus músculos necessitados enquanto afagava meu rosto cansado junto a sabão e água morna. Logo, meus pensamentos se acalmaram e começaram a se alinhar lentamente, como quando comecei a faxina.

Era.. estranho. Quero dizer, o que estava acontecendo ultimamente.

Esses meses foram tão repletos de medo e dor, que de repente aquelas pareceram ser as únicas sensações que senti a vida toda. Como se as memórias boas fosse substituídas pelas memórias em preto e branco aos poucos. E de repente, eu esquecesse o que é viver.

Porque viver é uma palavra muito forte para minha situação atual.

Eu estava... convivendo? Seguindo? Indo?

Eu não sei dizer, mas sei que a sensação é bem ruim. E para dizer o mínimo, eu estou cansado dessa droga de vida. Estou cansado de me sentir assim e estou cansado de nada nunca mudar.

Pensei no que eu poderia ter feito para merecer uma vida como essa. Talvez maltratado gatinhos, ou jogado pedra na cruz. Não havia outra explicação plausível, eu deveria ter feito algo muito ruim para me foder tanto. 

Fechei o chuveiro quando uma solução bem simples e eficaz me veio a cabeça, tomando conta de todos os outros pensamentos. Como se fosse a resposta para tudo.

Fiz um processo rápido entre me secar, me vestir e passar um pouco de creme. Eu não faria mais do que isso. Estava tão cansado, que apenas a ideia fazia meu estômago revirar.

Eu não sabia se era possível. Esse.. cansaço. Eu havia dormido um dia e uma noite e tomado um mísero banho, mas é como se isso tivesse consumido todas as minhas forças. Como se meu corpo nunca tivesse feito nada além de permanecer coberto e deitado.

Minha cabeça latejava, meus olhos ardiam. Eu queria dormir, queria dormir para sempre.

Mas eu fui impedido.

Meu celular começou a gritar por atenção da cômoda, a tela pálida sendo o único vislumbre de luz na casa sombria.

Eu engatinhei até o aparelho, bagunçando os lençóis que a pouco tempo ainda permaneciam intocados sem me importar realmente com isso. Toda a pinta do Calvin antigo que veio aquele dia havia se esvaído a algum tempo, deixando para trás uma versão cansada e triste.

O celular vibrou na minha mão no momento em que eu o toquei, a imagem de cabelos roxos aparecendo na tela. Era uma das garotas com quem eu trocava expediente, mas eu não imaginava um motivo para qualquer tipo de mensagem dela. Nem mesmo sabia como ela havia arrumado meu número para começar.

Como o telefone não deu descanso, eu resolvi atender, e me arrependi no momento em que fiz isso.

-Hey- uma voz alegre demais disse do outro lado da linha.

-Oi- eu respondi, o tom educado o suficiente.

Ela tomou isso como incentivo. 

-Não sei se você ficou sabendo, mas já voltamos para a ativa. A loja abriu a quase duas semanas, e confesso que a equipe tem sentido a sua falta- ela parou para dar uma risada. Pareceu totalmente calculada para mim-... enfim, eu só queria saber se você está bem, já que não recebemos notícias suas a algum tempo.

Pensei seriamente eu mandar-lhe a merda e outros lugares ainda piores por ter me tirado da cama para rir estridentemente em meu ouvido, mas me dei conta de que eu precisava desse emprego. Eu ainda tinha o aluguel do fim do mês, e depois de chamar meu pai de todos os nomes sujos que me vieram na hora, eu duvidava que podia contar com seu apoio em qualquer quesito. Eu ainda tinha comida para comprar e materiais para pagar. Ainda tinha uma.... vida.

-É, eu fiquei meio mal. Desculpe não ter ligado, fiquei no hospital por um tempo e só voltei a 2 dias. Acabei me esquecendo de avisar, me perdoe- a mentira saiu limpa para a garota, sem nenhum ressentimento ou culpa.

-Oh Deuses, você está bem??- o tom parecia quase genuíno. Quase. -Espero que esteja melhor.

-Estou sim- olhei as unhas. Eu já estaria em um sono profundo a essa altura. -Posso cobrir o próximo turno, em todo o caso. Já estou bem melhor que antes.

-Oh, se é assim eu fico muito feliz. Por um momento pensei que você nos deixaria.

Compartilhamos uma risadinha sem graça. Eu ria do sentindo oculto por trás de sua mensagem.

-Nos vemos no trabalho, obrigado..- eu lancei um olhar para a tela, identificando seu nome e o emoji de lua ao lado dele -...June. Nos vemos amanhã- sorri fracamente, mesmo que ela não pudesse ver.

-Tudo bem então. Ligue se precisar de algo- avisou, açucarada.

Eu não ligaria por nada no mundo, mas preferi deixar o silêncio dizer isso por mim quando joguei o celular para longe. Eu ainda estava cansado o suficiente para uma soneca de 6 meses, mas meu estômago parecia um caso mais urgente agora.

Desci as escadas com um suspiro, abrindo uma geladeira meio vazia e encontrando o pão que prometi comer de café a 5 dias. Deveria servir.

Esquentei aquilo por um minuto no micro-ondas, encontrando algo molenga no lugar de um pão crocante e um recheio suculento. Eu não estava apreciando sabores de qualquer forma, aquilo serviria.

Me servi de um pouco de água antes de comer, me lembrando da última experiência com o pão. Me preparei para o emaranhado seco, e já virava o copo de água antes da segunda mordida.

Eu consegui acabar com aquele pão, me sentindo menos fraco no final, mas não inteiramente forte.

Caminhei de volta ao quarto, colocando uma música para tocar antes de apagar. 

Depois de você - BxBOnde histórias criam vida. Descubra agora