Os dias tem passado emaranhados, um pior que o outro. Cansativos, dia e noite se unindo incansavelmente, mais trabalho acumulado formando uma montanha em minha mesa desorganizada.
Tenho ganhado olhares atravessados sobre meu estado, especialmente de Louis, que não tem trocado mais de duas palavras comigo desde meu surto de raiva no banheiro.
Eu não o culpo. Eu me comportei como um bosta naquele dia, como um psicopata, para dizer a verdade. Eu o olhei como se pudesse arrancar a pedra da pia e atacá-lo logo depois. Então sim, ele podia me olhar de forma fria e me evitar quanto tempo quisesse. Eu merecia isso. Merecia pior, até.
A ressaca recente dizia olá para mim. Um olá bem irritante e insistente, que dava pontadas na minha cabeça e apertava meu estômago.
Minha aparência parecia tão na merda quanto minha saúde. Eu estava com umas olheiras de Panda e minha boca estava sem cor alguma. Parecia um cadáver ambulante vestindo terno.
Eu quase caí da cadeira com o baque seco que foi o amontoado de papéis jogados na minha frente. Um Louis de lábios cerrados estava por trás disso, o reflexo da luz tornando seus óculos espelhados. Impossível de ver os olhos.
Parecia fantasmagórico.
-Que porra?- eu disse, apertando os olhos.
Minha dor de cabeça deu olá outra vez.
-Mais trabalho para sua coleção- disse, em seu melhor tom sínico.
Ok. Talvez ele estivesse passando um pouquinho dos limites. E sinceramente, não era sensato me provocar quando estou de barriga vazia e de noite virada. Nada sensato.
-Faça todo o trabalho, se está tão incomodado. Eu vou agradecer por esse favor.
Eu esperava que ele respondesse a provocação. Que jogasse na minha cara o quão inútil eu era, que me dissesse que era melhor que eu.
Mas ele não fez nada além de virar as costas, andar calmamente até sua mesa e sentar como se eu nem mesmo existisse.
Aquilo me irritou ainda mais.
-Você deveria ter cuidado de como age comigo, garoto- eu espalmei as mãos em sua mesa. Papeis soltos pularam do lugar. Uma caneta caiu no chão.
Louis permanecia impassível. Entediado, até.
-Ou o que?- inclinou a cabeça para mim, convencido como nunca. -Vai me bater? Vai me demitir?
As palavras ficaram presas como um caroço na garganta, minhas narinas dilatadas de raiva.
-Eu só saio dessa sala quando seu pai me mandar sair, porque foi ele que me contratou. Ele me requisitou pessoalmente para esse trabalho, e me disse que era para eu fazer o que fosse preciso para conseguir fazê-lo- ele tinha se levantado agora, vermelho de ódio. -Então se for preciso que eu diga para o filhinho de 4 anos dele fazer o próprio trabalho, eu farei.
Eu poderia mandá-lo para o hospital agora. Quebrar aqueles óculos e enfiar em um lugar nada agradável para ele.
-Fodase- foi tudo que eu disse, cansado demais para discutir. Cansado demais para encará-lo fundo naqueles olhos dele, era quase como se eu pudesse ver dentro de mim lá dentro. Eu não tinha mais disposição para nada disso.
Eu saí da sala como um furacão de sentimentos que eu era, cambaleando atordoado pelo corredor, mal enxergando um palmo a minha frente. Exatamente como da última vez.
O céu aberto estava quase virando noite ao meu lado, pavor tomando conta de meu corpo quando constatei a altura em que estava situado.
Eu caminhei pela cidade sem rumo, acompanhando aquele emaranho de pessoas na calçada, atravessando o sinal em sincronia como se fossemos cardumes de peixes. Eu não tinha um plano em mente, nenhum vislumbre do que estava fazendo em minha própria mente perturbada.
Apenas o barulho interminável da cidade jazia dentro da minha mente. A britadeira do outro lado da rua ecoava no que parecia ser para sempre, passos apressados batendo na calçada de pedra e concreto em contraste.
Eu escutei uma voz de longe, mascarada pelos sons a minha volta. Era algo comum, afinal estávamos em uma metrópole movimentada, no centro dela. É claro que haveria vozes gritando por aí. Vozes gritando por aí era tão comum quanto beber água.
Mas uma mão tocou meu braço, e eu pensei estar louco. Eu só poderia ter esbarrado em alguém. Esbarrar em gente desconhecida também não era algo de outro planeta nessa cidade. Eu já deveria ter colidido com uns 10 ombros até agora.
Mas a mão se agarrou em meu pulso.
Eu paralisei no mesmo momento, as pessoas que caminhavam ao meu lado agora desviavam caminho para o lado, apressadas como nunca. Louis estava lá, uma expressão cansada no rosto.
-Você me seguiu?- foi a primeira coisa que eu disse depois de minutos em silêncio.
Ele mordeu os lábios finos.
-Sim- disse, desconcertado.
-E por quê?- eu estava genuinamente curioso. Tão preso naquilo que nem me importei com os xingamentos direcionados a nós por atrapalhar o caminho.
-Porque acho que fui duro demais com você lá no escritório. Você não parecia bem e eu deveria ter administrado meus sentimentos melhor.
Eu pisquei.
-Eu.. está tudo bem. Obrigado, eu acho- eu realmente não sabia o que dizer, e sabia que parecia um idiota agora. -Me desculpe pela forma que agi com você aquele dia no banheiro. Eu realmente não estava bem.
Ele ficou quieto, o rosto ilegível por algum tempo. Tempo o suficiente para me deixar bem inquieto.
-Eu perdoo você- disse, acompanhado de um sorriso vacilante.
Permanecemos um tempo sem dizer nada, uma aura sem jeito ao nosso redor. Como se as pessoas não estivessem nos desconjurando como os bastardos idiotas que éramos.
-Hm. Posso te pagar um café?- ele perguntou -Você parece péssimo.
Eu sorri, afetado, e arqueei uma sobrancelha quando vi Louis corar violentamente.
-Não é nada demais- assegurou, apertando meu braço como se para afirmar isso -Eu tenho namorado.
Eu pisquei, surpreso. Eu não esperava que alguém como ele arranjasse tempo para namorar.
-Tudo bem, é apenas um café- eu respondi, calmo.
Ele suspirou profundamente, mais calmo, apenas para puxar um telefone de seu bolso logo depois.
-Vou avisar meu namorado, caso ele se preocupe- explicou antes de voltar os olhos para tela e digitar violentamente.
Ficamos parados por algum tempo, eu podia ver seu rosto se iluminando e seu sorriso se formando conforme notificações chegavam em sua caixa de mensagem.
Me lembrei de quando eu sorria assim para meu próprio celular.
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Depois de você - BxB
Novela Juvenil***SEQUÊNCIA DE COLEGA DE QUARTO*** Enquanto Jason se fechou para tudo e para todos, Calvin voltou com seus hábitos pouco saudáveis.