Capítulo 6: Jason

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Eu encarava a cidade inteira da cadeira onde estava sentado, a luz da manhã fazendo meus olhos arderem e minha cabeça latejar. Eu deveria ter vindo de óculos de sol essa manhã.

Minha ansiedade estava a mil, se concentrando em minhas mãos; que apertavam o braço da cadeira, e minhas pernas, que balançavam sem parar. O tênis fazia um barulho incomodo em contraste com o chão de porcelanato.

Tentei concentrar minha atenção a paisagem outra vez, tentando me atentar aos vários prédios a baixo. Em como pareciam pequenos e sem vida sem a luz brilhante que os agraciava a noite. Quando a cidade parecia ter vida própria.

Observei o emaranhado de pessoas que seguiam com pressa pela rua, tantas e tão pequenas, que me lembravam um formigueiro vivo.

Foi quando ouvi a porta negra estupidamente grande do escritório ser aberta, para segundos depois a sala ser invadida por pelos menos 3 figuras engravatadas. Quase idênticas. 

Um bando de imbecis.

Todos que estavam naquela sala não passavam de babás não-pagas o suficiente para lidar com o demônio vestindo terno, que havia acabado de adentrar a sala. 

Meu pai.

Os cabelos pretos eram quase cômicos, dado a cor extremamente artificial e sem vida. Aquilo conseguia de alguma forma evidenciar ainda mais sua verdadeira idade, a forma como realçava os olhos enrugados, o bigode chinês e dezenas de outras marcas.

''Nem mesmo a medicina faz milagres''.

Foi o que o médico disse em uma das primeiras tentativa falhas de Botox que meu pai fez. Ele tinha me arrastado para a clínica para lhe fazer companhia naquele dia, coisa que ele continuou fazendo por mais ou menos dois meses depois.

Foi na época que minha mãe morreu. Quando eu comecei a mostrar indícios da grande merda que iria me tornar atualmente.

Na época não passava de acessos de fúria, a terapeuta dizia ser causada pelo ''trauma'', como ela insistia em chamar. Eu me lembro de como sentia vontade de quebrar todos as suas malditas esculturinhas de cristal toda vez que ela dizia isso, como eu tinha vontade de gritar toda vez que constatava sua expressão passiva e inabalável mesmo quando eu mostrava o pior de mim. Mesmo quando eu tentava insultá-la.

Mas ela não pareceu notar problema algum. Achava que eu era muito novo para tarja preta, indicando apenas exercícios de meditação e um tempo a mais com meu pai no lugar.

Ele, é claro, não gostou nada da ideia de passar mais que 40 minutos compartilhando seu ar precioso e ocupado com o fedelho rebelde que teve a infelicidade de conceber, mas não negou a ideia. 

Tudo que ele não precisava na época era um escândalo, e a morte da minha mãe havia gerado um por pelo menos um ano. Achava que ser visto carregando o pequeno herdeiro para lá e para cá como seu pequeno bichinho renderia uma boa imagem para empresa, e foi exatamente isso que ele fez.

Não preciso dizer que ser arrastado para todos os cantos sem minha vontade não melhorou em nada na minha situação, mas realmente ajudou com a imagem da empresa, e isso era tudo que ele precisava no final.

-Jason- ele chamou, a voz ensaiada para ser educada. Eu o via usar esse tom para com seus funcionários e clientes um milhão de vezes antes.

Aquilo me fez despertar de repente, as memórias varridas de volta para as profundezas de minha mente com uma rapidez assustadora.

Cruzei os braços, encarando seus olhos negros. Gêmeos aos meus, e ao mesmo tempo, totalmente diferentes.

-Por quê me chamou aqui?- foi a única coisa que eu disse. Duvidava que ele tivesse requisitado minha presença e gastado seu tempo para me ver pessoalmente sem nenhum motivo.

Ele soltou um longo suspiro com isso, olhando em volta e notando a presença de suas babás pela primeira vez. Elas pareciam ratinhos assustados segurando suas pastas e montes de papéis quando ele as notou, jurei ouvir um suspiro de alívio quando meu pai as dispensou com um aceno de cabeça.

-Muito bem então- ele deixou o tom dos clientes para trás ao ver que as babás foram embora, sentando de frente a mim enquanto abotoava seu terno alinhado, me encarando outra vez.

Por um momento, ele não fez nada além disso. Me encarava com as sobrancelhas franzidas assustadoramente, as mãos entrelaçadas escondendo a boca de forma tensa.

Eu notei como seu escritório se assemelhava ao hotel nesse meio tempo desconfortável. Em como tudo ali parecia sem vida e totalmente calculado. Desde a planta no vaso branco a sua direita, quanto o pote de cristal cheio de biscoitos intocados perto das poltronas negras de couro, que pareciam nunca ter sido usadas. E eu suspeitava muito que esse fosse o caso.

-Então?- eu perguntei, me sentindo nu e desconfortável a sua vigia. Ele pareceu acordar do que quer que o estivesse prendendo quando disse isso, balançando a cabeça negativamente para si mesmo.

-Perdão- ele tossiu -É que você se parece tanto com...

Eu arqueei as sobrancelhas, desafiando que ele terminasse a frase.

O nome morreu em sua garganta. Apenas um segundo antes de ele recuperar a postura do homem de negócios.

-Eu te chamei hoje aqui para que pudéssemos colocar as coisas no claro, como você já deve saber. E pretendo ser rápido, já que o tempo que estou gastando com essa conversa desnecessária podia ter sido usado para o investimento de outra rede que estava de olho no Brasil.

Eu apenas o encarei. Nenhum sentimento a espreita. 

Seu maxilar tencionou.

-Quando você me disse que viria a Chicago passar alguns dias, eu pensei que era para visitar a cidade por saudade. Que talvez até passasse para ver algumas de nossas novas construções.. e quando disse que resolveu ficar mais, pensei que era para transferir a faculdade- ele fez uma de suas pausas dramáticas, esperando minha reação, e quando não viu nada, continuou a todo vapor:

-Eu recebi um grande choque quando percebi que o dinheiro que deveria ser para os livros foi gasto em noitadas e vagabundos desocupados como você. Eu tolerei isso por 2 meses, mas agora chega. Seja lá o que você fez naquele fim de mundo, ou em que você se meteu, tem que se resolver agora. Você volta e termina a única coisa em que foi incumbido de fazer em todo o seu desperdício de vida, ou fica aqui e trabalha na empresa. 

Desperdício de vida.

Aquilo era a única coisa que eu ouvia. 

Dava facadas profundas, bem nos lugares certos. Bem onde me fazia sangrar e me contorcer.

Ele pareceu reconhecer isso, mesmo pela minha falta de expressão. Era como se ele pudesse ver dentro da minha alma.

-Suas festinhas me renderam muita dor de cabeça e quase explodiu minha caixa de mensagens. Espero que isso não aconteça mais, seja desaparecendo de minha vida ou não- ele disse por fim, me olhando mais uma vez antes de deixar a sala com passadas longas e um andar elegante.

Eu praticamente derreti na cadeira quando escutei a porta fechando. Quase podia sentir o gosto salgado das lágrimas presas quando engoli em seco, sentindo o impacto de tudo aquilo vir de uma vez. Tão cru quantos as palavras de segundos atrás.


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