IV

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Ana Caetano

Dou um longo suspiro antes de começar a falar.

Eu morava em Araguaína, lá no Tocantins. Desde que eu era criança, sempre quis morar em cidade grande. Não que lá fosse ruim, nada disso, mas eu sempre quis mais. Sempre. — Vitória assente, atenta a cada palavra que eu falo. — E quando eu disse pra minha família que queria me mudar, tudo foi ladeira abaixo.

— Eita, Ana...

Eu contava nos dedos cada reação de cada pessoa que citava. Minha mãe brigou comigo, até de ingrata me chamou, vovó teve quase a mesma reação; meu ex-namorado terminou comigo, ele que sempre dizia me apoiar em tudo, disse que isso não ia dar certo e que eu fosse embora eu e eles estávamos terminados. Praticamente as únicas pessoas que me apoiaram foram minha irmã mais velha e meu pai, o resto...

Abaixo a cabeça e sinto Vitória pegar em minha mão.

— Tu foi muito corajosa se ir embora, mesmo com tudo isso.

— É, e olha no que deu.

— Já falei que você vai arranjar alguma coisa pra fazer, Ana.

Ficamos em silêncio depois da última frase dita por Vitória. Rapidamente, ela se levanta e vai até a cozinha. Vou atrás dela. A vejo abrir e fechar os mesmos armários diversas vezes.

— Tu não toma chá aqui não? — ela pergunta, com as mãos na cintura. Aponto para o armário em que as caixas estão guardadas e Vitória abre. — Ah — ela diz quando encontra o que estava procurando.

— É... você vai fazer o quê?!

— Chá, ué — recebo em resposta, enquanto a mesma colocava água na chaleira e colocava para esquentar. — Desculpa ter feito tudo assim, sem nem perguntar nada — ela diz, pegando duas xícaras e colocando-as sobre a mesa. — É que eu tava começando a ficar nervosa, e eu obviamente tenho que me aliviar, se não eu enlouqueço. E como não acho uma boa opção me viciar em cigarro ou tabaco, fui para o chá.

— Inteligente. — digo séria, mas segundos depois começo a rir.

— Que foi?

— Desculpa, não consegui segurar a risada — explico quando recupero meu fôlego. — Mas sério, Vitória, tu se viciou em chá?! — volto a rir e dessa vez ainda mais, fechando meu olhos.

— Normal, ué — ela se levanta e vai pegar a chaleira que acaba de chiar, enche as duas xícaras com água quente e coloca um sachê de chá em cada uma. — Uns são viciados em cigarro, ou bebidas alcóolicas, e eu sou viciada em chá — Vitória finaliza, me entregando uma das xícaras e se sentando ao meu lado.

— Olha, eu tenho um chá bem bom aqui, natural ainda, viu — a digo rapidamente. Ela apenas sorri maliciosa e começa a bebericar seu chá.

Conversamos um pouco mais sobre a minha situação, mas logo depois Vitória quis mudar de assunto. Disse que "era melhor falar de outra coisa". Começamos a conversar sobre música, e disso eu falo, e muito. E pelo jeito, Vitória não fica para trás.

Compartilhei com ela todo o meu gosto musical, disse que gostava de tudo um pouco. Cazuza, Rita Lee, Legião Urbana, Charlie Brown Jr, Sandy & Junior... e essa lista só foi parar no Jão. Vitória gostava de quase todas as mesmas coisas que eu, com pouquíssimas diferenças.

Depois de nós termos falado muito sobre Cazuza — eu provavelmente falei mais, porque pensa numa pessoa que gosta dele —, Vitória começou a falar sobre o Jão.

— Ai, Ana, eu tô feliz demais em ver ele crescendo tanto assim, sabe. Eu o acompanho desde o comecinho...

— Eu também! — digo, enquanto colocava mais água para esquentar.

— Então, ele canta muito! E suas composições então, nem se fala. Queria ter a oportunidade de sair com ele um dia — a olho assim que ela termina a frase. — Não sair, sair... Mas se ele quiser, quem sou eu pra negar, né?

— Ô! Olha, eu também não negaria não viu...

— E sei que tu também ainda vai fazer muito sucesso por esse mundão aí — sorrio com sua fala, me sentando ao seu lado novamente.

— Ô, Ana... — sigo seu olhar, que se direcionava ao relógio. Faço bico. — Tá tarde, tenho que trabalhar amanhã... — ela diz, se levantando.

— Tá bom, Vitória. Mas tu não quer nem tomar outro cházinho? — a mulher nega, se direcionando à porta.

— Fica pra outro dia — ela fala, enquanto eu destrancava a porta. Nos despedimos e ela foi embora.

Suspiro ao trancar novamente a porta. Hoje foi um dia bom. Desabafei um pouco do que tava guardando em mim, conversei sobre música, tomei bastante chá. Mas acho que apenas uma coisa fez ele ser tão bom assim: estar com Vitória. O porquê? Nem eu sabia direito, fazia pouquíssimo tempo que eu a conhecia.

Era até meio estranho. Todo esse conforto que sentia quando estava com ela.

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