21 de Junho, 2002.
Vitória Falcão
Início do inverno de 2002. Desde o fim do carnaval, havia viajado para minha cidade natal, Araguaína. Acabei pedindo demissão da cafeteria em que trabalhava, não estava mais satisfeita trabalhando ali. Durante todo esse tempo, fiquei na casa de minha mãe, junto com ela e minhas duas irmãs. Eu conversava com Ana pelo celular quase todo dia, e pelo o que ela me fala, agora toda semana ela cantava naquela pracinha.
Me espreguiço na cama e bocejo, me preparando para me levantar. Faço minhas higienes matinais e troco meu pijama por um vestidinho branco. Antes mesmo de entrar na cozinha, começo a ouvir a conversa alta que se fazia no cômodo.
— Muito que bom dia! — dou um beijo na bochecha de minha mãe, me sentando ao lado das minhas irmãs na mesa logo depois.
— Com mamãe é beijinho e abraço, agora com a gente nem bom dia fala — Sabra resmunga enquanto olhava para a janela.
Sorrio enquanto me levanto, dando um beijo na bochecha de Sabra e a dando bom dia, faço o mesmo com Ana Beatriz e logo me sento novamente. Mamãe nos serve chá e se senta na mesa conosco.
— Mãe, a senhora tá sabendo que Vitória tá de conversinha com uma garota? — Sabra diz, sem mais nem menos, me fazendo engasgar com o líquido que eu estava tomando. Me viro em sua direção. — É todo dia mandando SMS pra ela e tudo, acredita?!
O resto do café da manhã foi silencioso, minha mãe não disse nada sobre aquilo. Quando todas terminamos, colocamos a louça na pia e Ana Beatriz foi lavá-las. Assim que percebo Sabra indo para seu quarto, a sigo. Quando ambas estamos dentro do cômodo, tranco a porta.
— Sabra, tu é doida por acaso?! — controlo minha voz para não soar muito alto e minha mãe escutar. Ela apenas ri. — Você tá rindo do quê, meu Deus do céu?!
— Tô rindo de tu, toda desesperada aí — minha irmã responde, simples, enquanto se sentava em sua cama. — Tá tudo bem se você for bi, Tória, sério.
— Eu não sou bissexual... — me sento ao seu lado.
— Não que tu ainda não saiba — ela complementa, dando um beijo em meu nariz e logo depois repousando sua cabeça em meu colo.
Essa coisa de sexualidade tem rodado a minha cabeça faz tempo. Eu nunca fiquei com uma mulher, mas estou aberta a novas experiências. "Novas experiências", essas que eu venho esperando viver há tempos.
Quando conheci Ana, essa minha curiosidade apenas aumentou. Eu a via em cada canto. Até senti falta da sua xícara de chá com a minha. Mesmo que eu tenha negado de todo jeito, era impossível esconder. Eu estava gostando dela, romanticamente.
Nas vezes em que ela me pegava a observando, e sorria tímida, eu estava tentando decorar cada detalhe seu. No dia em que ela se sentou em meu colo enquanto estávamos bêbadas, travei, por ser a primeira vez que ficava tão próxima de uma mulher. E também por medo de fazer algo que não devia. Ela parecia tão solta, experiente, como se já tivesse feito aquilo milhares de vezes, e eu fiquei ali, sem saber o que fazer.
E, céus, quando dei dois selinhos nela... eu simplesmente me senti tão viva.
Depois de um cochilo, todas fomos fazer um lanchinho da tarde na área de fora da casa. Fizemos sanduíches e chá, forramos a grama com uma toalha de mesa dobrada na metade, colocamos os pratos e copos sobre ele e finalmente nos sentamos ali.
Quando terminamos, já era fim de tarde e o sol já estava se pondo.
— Eu vou sentir tanta saudade sua, meu bem — minha mãe diz, enquanto trazíamos as coisas de volta para casa.
Ela já estava morrendo de saudades minha, e eu só ia embora de volta para casa amanhã.
— Eu só vou embora amanhã, mãe — a digo, rindo.
— Mesmo assim. Tu demora tanto tempo pra vir me ver! — apenas balanço minha cabeça de um lado para o outro, ainda rindo.
Todas tomamos banho e fomos assistir um filme na TV. Quando ele acabou, nos sentamos na mesa enquanto mamãe colocava a panela de sopa sobre a mesa. Um ótimo cardápio pois hoje estava MUITO frio. Depois da janta, dei boa noite para minha mãe e minhas irmãs e fui me deitar. Adormeci pouco tempo depois.
No dia seguinte acordei com a luz do sol entrando no quarto assim que Ana Beatriz abria as cortinas. Resmungo, cobrindo minha cabeça com o cobertor.
— Hoje é dia de alegria! — minha irmã mais nova cantarola.
— São sete da manhã, Ana Beatriz, pelo amor de Deus! — Sabra diz, após olhar as horas em seu relógio.
— Dia de alegria porque eu vou embora, é?
— Exato! Mamãe tá esperando vocês na cozinha! — ela grita, quando já estava fora do quarto.
Olho para Sabra, que continua na mesma posição em que estava enquanto dormia.
— Quando tu não tá aqui ela não fica com essa ousadia toda não, é que você não sabe pôr limites!
Não escutei o que ela disse em seguida, estava ocupada demais enquanto olhava a janela. Um beija-flor havia repousado lá, porém voou poucos segundos depois.
Me levanto, escovo meus dentes, lavo meu rosto e troco de roupa. Quando chego na cozinha encontro as três sentadas na mesa.
— Bom dia, mãe! — dou um beijo em sua bochecha. — Bom dia, Sa, bom dia, Ana Beatriz!
— Bom dia, anjo — minha mãe me responde. — Tem chá aí no bule.
Me sirvo um pouco do líquido quente e começo a bebericar do chá. Minha mãe o tempo todo me olhava, já conseguia saber que ela estava com saudades. Ficamos um bom tempo ali, apenas conversando. Quando o relógio bate três da tarde, me levanto. Hora de me arrumar.
Arrumo minhas malas novamente, sem me esquecer de colocar as fotografias que tirei nesses meses todos dentro dela e entro no banheiro. Tomo um banho de tempo médio e lavo meu cabelo, fazendo cachinhos nele com meus dedos. De roupa, escolho uma calça jeans boca de sino e uma blusa preta de manga cumprida, calço uma bota escura. Dou algumas borrifadas de perfume em meu pescoço e levo minha mala até a sala.
Acabei demorando um pouco para me arrumar, pois quando saí de casa o táxi já estava estacionado na porta de casa.
Me despedir de minha mãe e minhas irmãs era sempre difícil. Me controlo para não chorar naquele momento.
— Tchau, minha filha, vai com Deus — mamãe deposita um beijo em minha testa e eu fecho meus olhos, aproveitando seu abraço.
— Tchau, Tória — Sabra diz, me abraçando e dando um beijo em minha bochecha.
— Tchau, irmãzinha — Ana Beatriz fala enquanto me abraça, sendo a última a se despedir de mim.
Enquanto dava um último abraço em cada uma, o motorista colocava as malas dentro do carro.
— Se cuidem, viu!!! Eu volto logo, logo! — digo enquanto entrava no carro.
Assim que o automóvel dá partida, as três mandam beijos para mim, e eu os devolvo.
Chego no aeroporto quase em cima da hora. Faço o check in rapidamente e assim que foi possível entrei no avião. Logo coloco o cinto de segurança e encosto minha cabeça na poltrona. Acabei cochilando pouquinho tempo depois.
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Coisa de alma
Romance- Então... - ela respira fundo antes de continuar - eu... - Ana abria e fechava a boca diversas vezes. - Ah, não sai nada, eu não consigo! - Ei, não precisa se assustar não, Ninha - o apelido sai involuntariamente -, nada vai desmoronar. No momento...