XIII

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Vitória Falcão

Foram mais ou menos nove horas de viagem. Desço do avião e vou despachar minhas malas.

Meu coração, apertado com tamanha saudade que eu já estava sentindo de minha família, se acalmou assim que a vejo sentada em uma das mesas de uma cafeteria que havia no aeroporto do Rio. Ana veio me buscar.

— Vitória!!! — ela diz, animada, assim que me vê chegando. Sorrio.

Ela usa uma regata branca com uma calça jeans preta e um all star preto de cano alto. O mesmo óculos de grau redondo estava em seu rosto. Me aproximando mais, percebo que ela parecia bem mais corada e feliz.

— Oi, Ana!! — a dou um abraço, me sentando de frente para ela logo depois.

— E aí, como foi a viagem?

A conto tudo que aconteceu durante esses meses, deixando de lado apenas aquele comentário que Sabra havia soltado no café da manhã de ontem.

— Que bom que foi tudo bem lá, Vi — ela diz quando eu termino de falar. — Tu deve estar morta de cansada, nove horas de viagem, né? — concordo com a cabeça e ela se levanta. — Bora pra casa? — concordo novamente e me levanto, puxando minha mala comigo.

Durante o caminho Ana falou pouco, provavelmente deu pra perceber o meu cansaço pela minha cara também.

— Amanhã eu converso contigo, quando estiver bem descansadinha — ela sorri de canto e me abraça.

Logo depois se vira e vai em direção ao seu prédio, mas antes olha uma última vez para mim, e então entra no prédio em que ela mora. A observei até a porta de entrada fechar, e então fui para o meu.

Deixo as malas no canto do quarto, não estou em condições nenhuma para desfazê-las hoje. Tomo um longo banho, sentindo a água quente relaxar músculo por músculo que estavam tensos. Desligo o chuveiro e saio do banheiro com uma toalha enrolada em volta de meu corpo.

Visto apenas uma camisa grande, sem nada a mais, e vou direto para a cama. Dormi sem nenhum esforço. No dia seguinte, acordei bem mais disposta. Me levantei da cama de uma só vez e fui para o banheiro. Depois de fazer toda a minha rotina matinal, fui para a cozinha, colocando água para esquentar e pegando uma xícara. Pela primeira vez, estranhei apenas uma em cima da mesa.

Tomei chá com algumas bolachas enquanto assistia ao seriado que passava todo dia de manhã na TV. Lavo a louça assim que termino e volto para o quarto, escolhendo um short jeans e um cropped para vestir. Dou algumas borrifadas de perfume em meu pescoço, pego meu celular e saio de casa.

Vou até o prédio da frente, como de costume. Bato três vezes na porta da casa de Ana e rapidamente ouço passos vindo até mim.

— Entra, Vi, bom dia! — ela sorri e me dá espaço para entrar.

— Bom dia, Ana! Dormiu bem? — me sento no sofá, e logo depois de trancar a porta, Ana se senta ao meu lado.

— Dormi bem sim, e tu? Conseguiu descansar?

— Ô se consegui! E  tu não vai ir tocar lá na pracinha hoje não? — a pergunto assim que percebo que ela ainda estava de pijama.

— Não — Ana ri levemente. — Hoje quero aproveitar que tu voltou.

Ok, isso é fofo demais. Sorrio enquanto a respondo que não precisava daquilo, e que queria ouvi-la cantar. Ela apenas dá de ombros e vai se arrumar. Céus, com certeza não era difícil convencê-la. Minutos depois Ana volta para a sala, vestida com uma calça e uma camiseta branca grande.

— Vamo? — ela pergunta, ajeitando o óculos em seu rosto.

— Vamo!

No caminho para o praça, Ana me diz que ganha bastante dinheiro cantando por lá, que tem até gente que aparece todo dia lá só para escuta-la. Ouvir aquilo me deixou feliz demais. Ana tem muito talento, nasceu para a música. Sou tirada de meus devaneios com ela me cutucando uma vez.

Nos sentamos na grama e ficamos por alguns segundos assim, sem fazer nada, apenas curtindo o momento. A mulher ao meu lado suspira e começa a se movimentar, em busca do seu instrumento.

— Aqui, o Tinho — ela diz, enquanto o posiciona sobre seu colo.

— Tinho?

— Meu violão. Tinho. Esse é o nome dele, decidi enquanto tu tava fora.

Meu Deus, eu sempre fico chocada com a criatividade que Ana tem. Não digo nada, apenas fico em silêncio a observando montar o primeiro acorde.

A primeira música tocada foi Codinome beija-flor, seguida de Lança perfume, Último romance, e várias outras. Depois que Ana termina de cantar, uma salva de palmas se fez ali, arrancando um sorriso sincero de seu rosto. Ela agradece a todos e me olha, com os olhinhos brilhando.

— Tô orgulhosa de ti.

Isso foi a única coisa que a disse antes de voltarmos para o seu prédio. Ficamos horas apenas batendo papo. Não percebi o tempo passando. Quando olhei o relógio, já eram sete horas da noite.

— Ana, eu acho que já vou ir para casa...

— Eu te levo no seu prédio — ela diz, sem muito ânimo em seu tom de voz, enquanto pegava um casaco e se vestia com ele.

Não entendi o porque dela colocar aquilo, afinal, aqui era sempre quente. Mas, por incrível que pareça, estava frio. Sim, isso mesmo. Estava frio. No Rio de Janeiro. Uma ocasião raríssima. Assim que saio do prédio em que Ana mora, cruzo meus braços, na tentativa de me aquecer.

Ana faz do frio desculpa para se despir do casaco que vestia e o estender sobre meus ombros, com um pouco de dificuldade pela diferença de tamanho entre eu e ela. Lhe dou com o olhar um abraço, a fazendo sorrir de canto.

— Ei, tu não quer conhecer minha casa não? — a pergunto, e aparentemente essa proposta pega Ana de surpresa. Ela sorri ainda mais antes de me responder, concordando seguidas vezes com a cabeça.

Tiro meus sapatos assim que entro em meu apartamento, e Ana faz o mesmo.

— Bem-vinda a minha humilde residência!

— Menina, que casa bonita... — ela elogia, observando todos os cantos da casa.

Depois de algumas horas terem se passado, Ana agora conversava sem parar, apenas quando tomava do vinho que servi para nós duas.

— Agora fala tu, que eu quase não te deixei falar — ela beberica de sua terceira taça na noite, esperando que eu falasse.

— Falar o quê, Ana? Nem sei o que falar...

— Então canta.

Escolho cantar Tiro ao Álvaro, adoro essa música. Enquanto cantava, Ana me observava, atenta a cada palavra que saía da minha boca. Eu sentia seu olhar queimando sobre mim, literalmente.

— Eu adoro essa sua voz safada, sabia? Não safada de safadeza... tu entendeu. Essa rouquidão me deixa doidinha — ela diz, assim que eu termino de cantar.

Ana perde totalmente a vergonha na cara quando bebe, já comecei a me acostumar com isso. Eu até gostava, ver ela assim, sem nenhum filtro no que ela pensa e fala.

— Não sabia não... — a respondo, olhando no fundo de seus olhos.

Coisa de almaOnde histórias criam vida. Descubra agora