XXIII

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09 de Novembro, 2002.

Ana Caetano

A aproximação entre Cecília e Vitória era explicita. Não que eu esteja incomodada, é só que, sei lá... Eu me sinto culpada por ficar com ciúmes. Confio em Vitória de olhos fechados, mas tenho medo de perdê-la.

A primeira vez que eu realmente fiquei enciumada foi no dia do meu aniversário, a partir do momento em que escutei Vitória falar que encontrou Cecília no caminho.

Eu sei que é bobeira ficar com ciúmes e medo por uma coisa tão pouca — e me sinto tão tóxica por isso! —, mas eu me encontrei em Vitória, e receio de que se não ter mais ela, eu me perca. Porque eu sei que ela é pura liberdade, e mesmo sem querer, posso acabar machucando-a com minhas amarras.

Andava de um lado para o outro, e Vitória já começava a perceber minha agitação. Escuto ela me chamar algumas vezes, sua voz ecoava longe em minha cabeça.

— Ana Clara! — o tom de voz alto me faz parar instantaneamente. Olho para ela. — Desculpa o meu tom de voz, tu não tava parando de jeito nenhum.

— Tudo bem... — a respondo baixo.

— Vem cá, tá tudo bem? — Vitória me pergunta, deixando transparecer sua preocupação em seu olhar e voz.

Não sabia o que a responder. Se eu dissesse a verdade, ela iria me achar uma idiota por ficar assim por algo tão besta. Preciso pensar em alguma coisa. No desespero, acabo apenas concordando com a cabeça.

— Tu não vai ir lá na pracinha hoje não?

— Eu... Eu acho que vou passar um tempo fora. Tô precisando ficar um tempo sozinha. Tá?

Não. Não queria passar um tempo fora. E muito menos precisava de um tempo sozinha. Queria Vitória. Queria mais do que tudo escutar sua voz rouca em meu ouvido, sentir sua mão tocando o meu corpo.

— Tem certeza? — ela pergunta, cética.

— Tenho.

Não, não tenho. Implorava mentalmente com todas as minhas forças para que Vitória falasse p'reu deixar de besteira e me abraçasse.

— Ok... — a cacheada engole a seco, olhando fixamente para o porta retrato de nós duas que fica em cima da mesinha de centro.

Não, não, não. Seguro meu choro durante todo o tempo que levei para sair de casa, sentindo um nó na minha garganta apertar e apertar cada vez mais.

Eu já deveria aprender que psicologia reversa não funciona com Vitória.

Assim que saio do prédio, não impeço as lágrimas que descem descontroladamente pelas minhas bochechas. Não faço a mínima ideia de pra onde ir, não planejava ir a lugar nenhum. Não sem Vitória.

Depois de rodar ruas e ruas, passo por um bar. Estava na parte dos estabelecimentos mais caros do Leblon. Seco as lágrimas que embaçavam a minha visão e caminho em direção à entrada. Seria bom experimentar lugares e experiências novas. Certo?

O local é encantador e elegante. Bem arrumado. As paredes são escuras, com alguns detalhes em neon aqui ou ali. Ao longo do salão têm várias mesas, e no finalzinho, um open-bar. Escolho uma mesa do canto e me sento.

Peço um drink qualquer que vi no cardápio e assim que ele chega, tomo tudo de uma só vez. Começo a observar melhor as pessoas que estavam ali. A julgar pelas roupas, a maioria com certeza era gente rica. Tinham homens de roupas sociais que exibiam suas acompanhantes. E tinham mulheres que exibiam seus colares com joias caríssimas no pescoço enquanto usavam vestidos que devem valer milhões.

O que é que eu tô fazendo aqui? Esse lugar com certeza não combina comigo. Quando estava há um passo de me levantar, uma mulher se aproxima de minha mesa.

— Oi, posso me sentar aqui?

— Claro! — a respondo e ela se senta de frente para mim.

Seus olhos eram verdes. Ou eram azuis? Era um verde meio azulado?

— Me chamo Marcella, qual é seu nome? — a mulher diz, me tirando do transe que eu estava enquanto tentava desvendar qual era a cor exata de seu olhar.

— Ana, Ana Caetano. Me chamo Ana Caetano.

— Ana Caetano... muito bonito nome. — Marcella elogia e eu agradeço, sorrindo tímida. — Posso pedir uma bebida pra gente? — concordo com a cabeça e ela pede dois drinks cujo nome eu nunca ouvi falar em toda minha vida.

Marcella tem o cabelo escuro no tamanho dos ombros e uma franja cortada. Ela usa um vestido longo e preto justo no corpo, marcando todas suas curvas. Assim que tomo do drink que ela pediu, sinto o líquido descer rasgando por toda a minha garganta. Fecho fortemente meus olhos e balanço a cabeça.

— Achou forte demais? — Marcella me pergunta enquanto ria baixo. — Desculpa, pensei que estivesse acostumada a beber essas coisas.

— Não, tudo bem — sorrio fraco, pondo a taça sobre a mesa e apoiando meus braços lá.

— Mas então, cê costuma vir aqui? Tenho a impressão de que é a primeira vez que te vejo...

Sem nem perceber, nossa conversa durou horas e horas. Ela era muito agradável de se conversar, super fofa e muito bonita.

Tomamos mais um drink. E outro. E outro. E mais outro. Perco a conta de quantos drinks já tomamos. Ao beber da última taça que havia acabado de chegar, não conseguia mais sentir o ardor do líquido que acabara de descer pela minha garganta.

— Você namora? — Marcella me pergunta, curiosa.

Penso por alguns segundos antes de responder a essa pergunta.

— Não, não namoro.

Era a resposta certa, não é? Não era uma mentira, não namorava. Não oficialmente. Que porra de oficialmente, Ana Clara? Eu sou apaixonada por Vitória e nós praticamente namoramos, não deveria inventar coisa só porque tô magoada.

— Que bom, porque eu tô de olho em você desde que você entrou por aquela porta.

Coisa de almaOnde histórias criam vida. Descubra agora