Selva.
Vitória Falcão
— Eu tentei caber na tua matemática, Ana — digo baixo, enquanto nossas testas estavam coladas uma na outra.
Mesmo que soubesse que Ana estava ali entregue de corpo e alma, simplesmente não conseguia esquecer o jeito que ela olhou para Marcella, como se estivesse procurando nela uma escapatória de me dar respostas. Não que Ana tivesse obrigação disso.
O jeito que ela estava agindo me agoniava. Como se nada tivesse acontecido, como se fosse um dia normal. Apesar disso, ainda tentava ver o lado bom naquilo.
— Deixa disso, Vi, já falei.
Ficamos em silêncio na mesma posição. Eu sentia o calor da pele de Ana, e escutava sua respiração. Depois de um suspiro, a mulher se afasta.
— Vamos pra praia?
— Bora!
Voltamos para o nosso local de partida. Eu já estava mais solta. Parecia embriagada, mesmo sem ter ingerido uma única gota de álcool. Dessa vez, acelerei ainda mais o carro. Ana ria e gritava cada vez mais alto, e eu a acompanhava.
Assim que chegamos na praia, Ana pula do carro. Ela vai correndo, tirando apressada suas botas do pé para sentir a areia. Rindo alto e sem motivo, ela me olha, me chamando. Balanço a cabeça levemente, tiro meus sapatos e corro para ficar ao seu lado.
Ana parecia ter voltado a ser criança, brincando na areia até não aguentar mais. Eu ria, a admirava. Me perdia nela. Em sua voz. Na sua risada.
Assim que nos sentamos na areia, Ana me engolia com seu olhar, sem nenhuma piedade. Seus olhos, que são da cor de jabuticaba, estavam ainda mais escuros, de desejo.
— É tu que vai me enlouquecer, Vitória — ela diz rápido, tomando meus lábios em um beijo urgente.
Uma noite pra sua loucura que você guarda embaixo da língua.
— É engraçado como num beijo a gente esquece o porque a gente deu tão errado, né? — falo rapidamente, em um breve momento em que consigo separar nossas bocas.
Quando percebo, Ana já estava passando seus lábios pelo meu pescoço. Com uma das mãos, acaricia o meu quadril.
— A gente tá na praia, Ana...
— Vou ter que repetir?
Tua cadência embriagada, eu entendo.
— Eu fantasiei o teu lugar mais íntimo, e agora vou te responder no meu lugar mais úmido — ela diz, no pé do meu ouvido. Se eu tinha algum resquício de sanidade, acabou depois de que eu escutei sua voz rouca e baixa dizendo isso.
Quantos encontros cabem numa vida? Quantas vidas pra viver? Quanto chão pra caminhar? Quantos sóis nós vamos ver nascer? Não sabia essas respostas, quando estava com Ana, não pensava em nenhuma outra vida ou momento que não fosse aquele.
O tempo passa devagar e eu gravo cada momento em minha memória. Ana me puxava para si, pedindo por mais contato. Sua pele era quente, e a todo segundo escutava sua voz rouca e baixa dizendo coisas sem nexo e xingando no pé do meu ouvido. Eu me segurava ao máximo para não fazer muito barulho.
Vejo rapidamente marcas do batom vermelho que ela usava espalhadas pelo meu corpo, em todos os locais que ela tocou com seus lábios. Agora, passeava entre suas curvas sem pressa nenhuma. Em certo ponto, percebi que Ana se agoniava com essa minha falta de rapidez.
Faço de nossos corpos um só. A abraço enquanto ambas de nossas pernas ainda tremiam. Nossas peles quentes se tocando, o barulho do mar.
— Uma noite com a certeza que fizemos tudo errado — Ana diz, olhando no fundo dos meus olhos. — E a liberdade do abandono do futuro e do passado.
— Sem qualquer destino, sem qualquer garantia.
— Minha única promessa é que essa noite é a melhor das nossas vidas, Vi.
Eu menti para ela. Me lembrava do nosso pacto. Mas não queria admitir, não queria. Não queria admitir que senti mais do que tudo sua falta enquanto estive longe dela por apenas um dia, não queria admitir que ela me ganhava com apenas um olhar.
Mundos vão ruir. Curas vão surgir. E nós duas aqui.
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Coisa de alma
Romance- Então... - ela respira fundo antes de continuar - eu... - Ana abria e fechava a boca diversas vezes. - Ah, não sai nada, eu não consigo! - Ei, não precisa se assustar não, Ninha - o apelido sai involuntariamente -, nada vai desmoronar. No momento...