Explodir.
Vitória Falcão
Esperei Ana voltar para casa por horas e horas, e minha cabeça começou a latejar de dor, de tanto pensar. Me levanto da cama em que estava sentada. Precisava fazer algo. Não podia deixar as coisas assim.
Ana e eu não namoramos. Porque eu não aceitei da primeira vez em que ela me propôs, porque não me sentia segura de entrar em um relacionamento novamente, mesmo depois de tanto tempo.
Saí de casa decidida: iria pedir Ana em namoro, e iria tentar me entregar totalmente ao que eu estou sentindo.
No caminho, encontrei Cecília. Ela me perguntou onde eu ia, pois estava apressada. Apenas a respondi que precisava ir e que conversaria com ela depois.
Após rodar praticamente metade da cidade atrás de Ana, vejo uma silhueta bem parecida com ela. Dentro de um bar, aparentemente não muito barato. Estava na parte dos estabelecimentos mais caros do Leblon. Entro no local, me aproximando da mesa onde ela estava.
— O que tu tá fazendo aqui, Ana? — me posiciono em sua frente. Ela tinha duas taças vazias na mesa e um shot de bebida na mão. Ana não me responde, apenas vira o líquido transparente.
Até agora Ana não olhou para mim. Ela concentra seu olhar em suas mãos.
— Eu tô falando contigo, Ana. O que tu tá fazendo aqui, sozinha? — não recebo nenhuma resposta da mesma.
Quando percebo uma terceira taça sobre a mesa, com marca de batom vermelho, uma mulher se aproxima.
— Sozinha? Ela não tá sozinha não, moça — ela diz, se sentando na outra cadeira da mesa. — Mas se quiser participar também, não me importo, não — ela diz, rindo baixo. — Aliás, Marcella, prazer.
Ela era um pouco mais alta que Ana, tinha os cabelos escuros na altura dos ombros e uma franja cortada. Seus olhos eram azuis... Ou verdes? Não sei. Não importava.
— Prazer, Marcella — damos um breve aberto de mãos. — Sou Vitória.
Volto minha atenção para Ana, que agora tinha seu olhar na tal Marcella.
— E então... vocês se conhecem ou... o quê? — ela pergunta, quebrando o silêncio.
— A gente se conhece sim, ou eu pensava que nos conhecíamos. — Ana olha em meus olhos, por uma fração de segundo, e rapidamente desvia seu olhar. — Bom, eu vou indo então. Uma boa noite para vocês.
Me viro para ir embora, mas Marcella me impede:
— Fica, Vitória! Deixa pelo menos eu te pagar uma bebida...— Não, obrigada, Marcella. Mas acho que Ana deve querer mais uma rodada. — assim que me viro em direção à saída sinto uma lágrima relutante descer do meu olho esquerdo pela minha bochecha. Estava chorando, chorando de raiva.
Eu me trabalho pra ser otimista, mas se eu brinco de ir embora ela me deixava ir.
No caminho de volta, passo num mercadinho e compro duas garrafas de vodka. Um sorriso meio doído brota em meus lábios ao escutar a música alta que tocava em algum lugar próximo dali. Faz parte do meu show, que Ana tocava pra mim sempre que pegava o violão.
Assim que saio do mercado, abro uma das garrafas e tomo alguns goles. O líquido desse rasgando pela minha garganta. Continuo a andar, sem nenhuma ideia de pra onde eu estava indo. Não queria ir para casa, não queria dar de cara com o "nós" que existe em todo milímetro dali.
Quando vi, já estava caminhando no calçadão do Leblon. Por que não? Tiro meus sapatos e me sento ali mesmo, com os pés no chão e a garrafa na mão, olhando o mar.
De gole em gole, a primeira garrafa acabou. A deixo do meu lado e abro a outra, já começando a beber dela.
Eu já nem sentia mais o líquido arder. Não ardia mais. Não sentia nada. Não via nada. Na minha mente só existia três coisas: Ana virando o shot de bebida, aquela outra mulher se sentando de frente para ela, e o barulho das ondas do mar. Sinto meus olhos marejarem.
Céus, em quem Ana pensava enquanto me beijava? Seu beijo era sempre tão forte com os olhos fechados, não que eu me importe em ser meio enganada. Será que ela se perdeu, ou se encontrou sem mim?
— Vi... — escuto a voz de Ana atrás de mim. Não a respondo. — Vitória. Por favor, me escuta...
— Tô te escutando.
— Eu... eu só tinha ido pra lá porque tava cansada. Tava cansada... sabe? — sua voz ficava mais baixa a cada palavra que ela dizia. — Fala alguma coisa, Vitória, por favor...
— Fala tudo o que você tiver pra falar, Ana.
— Eu... — seus lábios tremem. — Eu não sei o que falar. Acho que... não tem explicação.
Ficamos nos olhando, sem dizer nada. A única coisa que se escutava era o barulho do mar.
— Eu te pedi pra ter paciência comigo. E tu prometeu que teria.
Flashbacks de momentos passados vêm a todo momento em minha memória.
— Tu escolheu isso tudo porque quis, Ana. E eu também. A gente se escolhia todo dia, Ana. Todo santo dia. Eu tava ali do teu lado porque meu corpo todo pedia pra eu continuar. Eu via meu destino inteiro dentro de ti, Ana. E tu do meu lado porque teu caminho te colocava bem ali, mas se algum dia a nossa história explodir, eu nunca vou te segurar, Ana.
De uma só vez, as palavras saíram da minha boca sem controle algum. Vejo seus lábios continuarem a tremer, seguido de seu queixo.
— Eu nunca vou te segurar.
Lágrimas descem pelo rosto de Ana, ela nem tentava as impedir. Quando conseguiu cessar o choro por alguns segundos, retomou sua fala.
— Então... a gente terminou? — ela mantinha a cabeça baixa.
— Acho que sim.
Ana assente e me olha no fundo dos olhos. Vi a nossa história toda passar em segundos pela minha mente. E sabia que Ana sentia a mesma coisa. Eu via em seu olhar. Via isso, e a pontinha de culpa que ela acaba deixando transparecer. E o meu olhar? Implorava silenciosamente para que Ana voltasse atrás com toda essa besteira e me beijasse, e que acabássemos nossa noite na cama. Ela quebrou o contato visual, me tirando do transe, pegou a garrafa da minha mão e deu um gole.
— Ok. — a mulher se levantou e começa a andar, sem olhar para trás. — Não se esquece da nossa última noite.
E a observo ir embora, vendo seu corpo se camuflar entre as sombras da rua. Até que não a vejo mais.
Assisti o Sol nascer ali na praia, deixando o céu em um tom laranja meio rosado. Do mesmo tom exato que Ana tanto adora ver.
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Coisa de alma
Romance- Então... - ela respira fundo antes de continuar - eu... - Ana abria e fechava a boca diversas vezes. - Ah, não sai nada, eu não consigo! - Ei, não precisa se assustar não, Ninha - o apelido sai involuntariamente -, nada vai desmoronar. No momento...