V

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Ana Caetano

Acabou virando rotina ver Vitória quase todo dia, seja na rua ou quando ela mesma vinha me visitar. Hoje mesmo, passou literalmente o dia todo aqui em casa. Assistimos vários filmes e quando era comecinho de tarde começamos a maratonar CSI.

Vitória gritava toda vez que conseguia adivinhar quem era o assassino:
— Eu sabia, Ana!! Sabia! — ela se levanta e começa a dar pulinhos, apontando para a TV.

— Senta, Vi, se não tu vai perder o resto do episódio...

— Tá bom... — a mulher se senta novamente, assistindo e escutando tudo atentamente.

Enquanto o episódio ainda passava, a chaleira começa a chiar. Vitória me pergunta se eu queria que pausasse o episódio enquanto fazia o chá e eu nego, a respondendo que ia ser rápido.

Encho as duas xícaras com a água quente, coloco um sachê de chá em cada e uma colher de açúcar. Levo as duas para a sala e entrego uma para Vitória, que sussurra um "obrigada" enquanto pegava a xícara e a colocava entre suas mãos. Comento com ela que do jeito que as coisas iam, eu também ia me viciar em chá.

— Tá com frio, Vi? — a pergunto, vendo que ela tentava se esquentar através da xícara quente.

— Eu tô com um pouquinho de frio sim, Ana — Vitória responde, desviando a atenção da TV para mim.

— Vou buscar uma coberta, espera aí — coloco minha xícara sobre o braço do sofá e me levanto, indo até meu guarda-roupa.

Volto para a sala com uma coberta, a abro e coloco sobre o sofá, me sentando novamente logo depois. Outro episódio tinha acabado de começar, e Vitória já tentava deduzir quem foi o assassino. Eu me contia para não sorrir vendo a cena; ela toda empenhada, analisando toda a história e a cena de crime. Era fofo. Muito fofo.

Desde o fim do episódio anterior, percebia que Vitória esboçava um pequeno sorriso no canto dos lábios.

— O que foi? — eu a pergunto e ela me olha, confusa. — Que tu tá com esse sorrisinho no rosto desde o episódio passado.

— Ah... — Vitória sorri mais ainda. — É que tu me chamou de "Vi" pela primeira vez.

— Eita. E tu não gostou, né? Cedo demais? — a pergunto, vendo que não fazia tanto tempo que nos conhecíamos e eu já estava a chamando por apelido.

— Não — ela ri. — Eu adorei. — suspiro aliviada. — Aliás, pode sempre me chamar assim a partir de agora, eu não vou reclamar não.

Voltamos a prestar atenção na série e o sorrisinho no rosto de Vitória continuou ali. Vez ou outra me pegava observando-a, e quando isso acontecia, me repreendia mentalmente. O mesmo acontecia quando me pegava sorrindo de canto enquanto a olhava.

Depois de termos maratonado uma temporada inteira, me levanto para beber água. Assim que saio do sofá, vejo Vitória com os olhos praticamente fechados, quase cochilando.

— Vi, vem pro quarto... Tu tá quase dormindo aí sentada — a chamo, tentando não soar alta demais.

— Hum? — ela abre os olhos de uma vez, aparentemente assustada. Dou um sorriso de canto e repito as mesmas frases anteriores. — Mas eu tenho que ir pra casa, ainda dá tempo...

— Tcs, tcs — a interrompo. — Já é madrugada, tá frio e eu tenho um colchão sobrando. — Vitória pensa por alguns segundos. — E eu não aceito não como resposta.

Ela sorri levemente, se levantando. Vitória me ajuda a arrumar o local em que ela vai dormir, mesmo eu tendo insistido que ela continuasse sentada e apenas esperasse que eu terminasse sozinha.

Quando tudo estava pronto, a ofereci um pijama um número maior do que eu uso, que ganhei de algum amigo meu e uma toalha. Ela entra no banheiro, toma uma rápida ducha e volta usando o pijama, que por sinal coube perfeitamente. Seu cabelo agora estava preso com a xuxinha que Vitória sempre carrega em seu pulso.

Ela se deita no colchão enquanto eu fui me arrumar para ir dormir. Visto meu pijama e escovo meus dentes. Quando volto para o quarto, encontro Vitória cochilando de mal jeito.

— Eu tava te esperando... pra te dar boa noite, Ana — ela diz quando eu me aproximo, com a voz sonolenta e abrindo lentamente os olhos para me ver.

— Boa noite, Vi — dou um beijo em sua testa e a vejo sorrir.

— Boa noite, Ana. Dorme bem e bons sonhos, viu — Vitória se ajeita debaixo da coberta.

— Pra tu também — a respondo enquanto me deito, me cobrindo com o edredom. — Agora vai dormir, anda, anda!

Me deito virada para ela. Enquanto não conseguia dormir, a observei adormecer. O rostinho sereno, seu peito subindo e descendo lentamente com a sua respiração, sua mão repousada no travesseiro.

A última coisa que me lembro de ter feito antes de eu ter ido dormir é ter sorrido enquanto sentia uma paz inexplicável dentro de mim, depois de muito tempo.

Coisa de almaOnde histórias criam vida. Descubra agora