XXII

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Ana Caetano

Acordei e não encontrei Vitória em casa. Fiz minha rotina matinal normalmente. Escovei meus dentes, lavei meu rosto, penteei meu cabelo e nada dela chegar. Esperei, esperei, esperei e nada. Faço uma rápida ligação com Luana, e outra com meu pai, que me parabenizaram. Deu pra matar um pouquinho da saudade que eu tô sentindo deles.

Tomei café, troquei de roupa, assisti televisão. Após algum tempo, me sentei em frente a janela e fiquei lá tomando sol. Até cheguei a criar uma melodia nova no violão. Parecia que nada tinha graça se Vitória não estivesse junto.

Horas depois, enquanto voltei a assistir TV, ouço a porta de casa se abrir e a pessoa que tanto esperei chegar entrar.

Me virei em sua direção, sorrindo fraco.

— Bom dia, Vi. Tu... — ia dizer que ela demorou para chegar, mas penso melhor e desisto. — tá meio tarde...

Vitória relaxa seu corpo, deixando as várias sacolas de compras que ela carregava no canto da sala. Ela direciona seu olhar para o relógio e eu faço o mesmo. 15:48.

— Acabei demorando demais na rua, desculpa. — escuto ela dizer de dentro do banheiro, enquanto lavava suas mãos. — Também encontrei Cecília no caminho e...

— Sem problemas, Vi. — a interrompo.

Eu estranhei acordar sem sentir seu corpo do meu lado hoje. Pela primeira vez, penso que talvez eu esteja indo rápido demais.

Continuei assistindo a TV enquanto Vitória andava de um lado para o outro. Ela tomou banho, lavou o cabelo, trocou suas roupas amarelas por uma blusa de manga cumprida verde e calça jeans. E até fez uma leve maquiagem em seu rosto.

— Ué, Ninha, que carinha é essa? Hoje é teu aniversário, o que houve?

A respondo que não aconteceu nada, com a desculpa de que sempre ficava assim nos meus aniversários. Era pura mentira. Nunca fiquei assim. Talvez esse ser o primeiro em que passo longe de casa também esteja mexendo um pouco comigo.

— Hum... Mas não fica assim não — ela se aproxima de mim e deposita um beijo em minha cabeça —, tenho uma surpresa pra ti.

E finalmente comecei a vê-la tirando as compras das sacolas. Vitória coloca várias decorações sobre a mesa, deixando um espaço vazio no centro. Ela também pede minha ajuda para fazer brigadeiro e beijinho, e assim eu faço. Após deixarmos os doces por algum tempo gelando, os enrolamos e passamos os brigadeiros no granulado, e os beijinhos no coco.

— Prova um, pra ver se tá bom — Vitória me oferece um doce e eu o degusto, concordando repetidamente com a cabeça.

— Bom demais!

Depois de tudo pronto, Vitória se agita, mexendo em suas mãos e olhando o relógio a todo momento. Ouço a campainha tocar, porém não me lembro dela ter me dito que convidou alguém.

— Bem na hora! — ela diz, ao abrir a porta com pressa, revelando Cecília do outro lado segurando uma forma. Vitória dá espaço para a mesma entrar, e assim ela faz.

Cecília coloca a forma no espaço vazio da mesa, tirando a tampa e deixando um bolo com cobertura de chantilly a mostra. Uau. Vitória mexe rapidamente em uma das sacolas e pega dois chapéus de festa, colocando um em sua cabeça e entregando o outro para Cecília, que faz o mesmo.

A cacheada me chama, me posicionando em frente ao bolo enquanto ela enfiava duas velinhas sobre ele. Ela ascende as velas assim que Cecília apagou a luz da sala. E logo as duas começam a cantar parabéns, enquanto batiam palmas e sorriam.

Assopro as velas enquanto fazia um pedido mentalmente.

— Feliz aniversário, Aninha — Vitória diz enquanto me abraça.

Cecília também me parabeniza. Logo depois, ela me entrega uma caixa. Assim que a abro, vejo dezenas de salgados dentro dela.

— Vitória me disse que você adora salgado.

A agradeço com um abraço, começando a comer dos salgados logo depois.

Passamos o resto do dia alternando entre conversar e assistir a maratona de filmes que inventamos de fazer. Em certo momento da conversa, escuto Vitória chamar Cecília de "Cecí". Tento ignorar a sensação de mágoa que me invadiu fazendo comentários sobre os filmes.

— Eu sempre tive vontade de ter uma "última noite"... — digo em um tom inaudível.

Horas depois, quando já era madrugada, Cecília decidiu ir embora.

— Gostou da surpresa? — Vitória me pergunta enquanto vestia seu pijama.

— Eu adorei!

— Que bom, porque tem mais uma coisinha. — ela diz, me entregando a última sacola de compras que ainda não havia mexido. — Abre.

Um sorriso se faz em meu rosto ao ver o que tinha lá dentro. Vários CD e alguns DVD. Tinha Cazuza, Legião Urbana, Sandy & Junior, Los Hermanos, Charlie Brown Jr... tinha de tudo que eu gostava.

— Acabei demorando um pouco mais do que deveria na loja de CD... — Vitória confessa, sorrindo de canto. — Agora sim, feliz vinte e um aninhos, Ninha — ela diz baixo, no pé do meu ouvido enquanto me abraçava.

A sensação que antes era de mágoa se transformou em culpa. Vitória demorou na rua porque estava preparando uma surpresa pro meu aniversário, e eu tava aqui, pensando besteira.

Fiquei horas sentindo as mãos de Vitória descerem e subirem pelo meu corpo, me fazendo arrepiar sob seus toques.

— E aquele negócio de "última noite" que você disse mais cedo, o que é? Tu falou baixinho, mas eu escutei.

Me viro em sua direção para respondê-la.

— É tipo uma despedida que alguns casais fazem, um dia depois do dia em que eles terminam. Eu li isso em uma revista e achei interessante.

— Humm... E tu... pensa que isso vai acontecer com a gente? — ela pergunta, com um tom de chateação em sua voz.

Por Deus, Ana Clara, porque tudo que eu falo acaba a magoando?

— Não, Vi, nunca! — a respondi rápido, praticamente desesperada. — Só achei interessante e... quis compartilhar.

Após alguns minutos em silêncio, Vitória volta a falar.

— Ó, caso algum dia aconteça, o que eu espero do fundo do meu coração que não, a gente pode ter nossa última noite.

Coisa de almaOnde histórias criam vida. Descubra agora