CAPÍTULO SEIS: A GRAVATA AMARELA

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O RESTANTE DO dia e começo da noite fora perturbador para Adrian, enquanto o mesmo continuava investigando meticulosamente cada milímetro quadrado dos órgãos do professor Paul Gustav Bachmann, em busca de qualquer outra coisa que explicasse as marcas e tatuagens dentro do próprio corpo e, quem sabe, a causa de sua morte também. Porém, não apenas lidava com tamanho mistério, como também com uma crescente e perturbadora aura que se instaurava no ar do necrotério.

Vez ou outra, se via observando a sala, como se alguém lhe assistisse, mas nunca via ninguém.

As visões de seus amigos mortos em batalha pararam, o que, ao menos, foi o único alivio do médico legista. Pôde seguir seu serviço com menos pausas naquele momento, enquanto buscava uma resposta para aquele mistério insólito que vivenciava.

Quando se deu conta, já era tarde da noite. Ficou sentado durante alguns longos minutos, esperando Nolene e Jacob retornarem. Não tivera notícias deles durante o dia inteiro e, na verdade, sequer chegara a sair da sala do necrotério desde aquela manhã. Devagar e desanimado por não encontrar uma resposta, começou a limpar o lugar como sempre fazia. Era o trabalho dos faxineiros e zeladores da central, mas fazia questão de fazê-lo.

Para Adrian, era uma espécie de ritual.

Enquanto terminava de limpar o espaço, recolhendo todos os órgãos, lavando as bancadas, limpando e preparando o corpo do falecido Bachmann e jogando ao ralo do esgoto a água misturada com sangue e sabão, parou um instante para olhar no canto da sala, onde estava uma pá.

Vez ou outra as pessoas lhe perguntavam de que servia aquela pá.

Quando ele começou o trabalho na New Scotland Yard, mais específico como legista oficial, trouxe consigo aquela estranha e já enferrujada pá. Não houveram grandes questionamentos e reclamações sobre, senão o fato de ser algo estranho e peculiar. Mas, para Adrian, aquela pá era mais do que um objeto.

Era o seu fardo.

A memória do horror das trincheiras.

Das mortes de seus amigos e inimigos.

O peso de seu pelotão.

As covas.

Ele era o coveiro...

Alguém bateu algumas vezes na porta do necrotério, chamando a atenção de Adrian, que despertou de seu delírio. Recompondo-se, guardou o esfregão num canto e retirou o avental sujo de sangue, limpando as mãos de forma ligeira e dando alguns tapinhas no rosto para manter-se focado no agora. Caminhou até a porta e abriu.

— Ah... olá?

— Olá, meu caro. Espero que não seja um horário ruim – disse o estranho homem diante da porta, encarando Adrian de cima.

O sujeito tinha pouco mais de dois metros de altura. Tinha a pele pálida, quase cinza, olhos amarelados como um homem extremamente doente e bastante esquálido, mas um sorriso estranhamente carismático e uma aura perturbadora. Ele vestia um terno fino de cor bege claro e uma gravata amarela, próximo ao mostarda.

— Ah, depende, senhor...?

— Oh, mil perdões, meu caro Adrian. Podes me chamar de Hotep – respondeu, fazendo menção de que iria entrar, mas Adrian mantendo-se firme. O largo sorriso na face do estranho ameaçou, por um ínfimo instante, desaparecer, mas o mesmo manteve-se firme.

— "Hotep"?

— Um pouco estranho, eu sei. Não é o primeiro a achar isso – comentou, soltando um leve riso – É egípcio. Significa "profeta".

— Ah, interessante. Como sabe meu nome?

— Ah, perguntei na recepção, é claro. Estou aqui para reaver os pertences de um amigo muito querido. Acredito que esteja em suas mãos. O capitão Stone me informou que eu poderia vir aqui falar contigo para conseguir aquilo que desejo.

A Fórmula do Inominável - VENCEDOR WATTYS 2022Onde histórias criam vida. Descubra agora