EPÍLOGO

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A LUA ESTAVA alta naquela noite. Pouco mais de um mês se passara desde que havia escutado dos médicos sobre a explosão numa das regiões mais proeminentes de Londres, a Westminter. Não sabia que aquela pessoa morava lá até que um dos médicos falou o nome do dono da propriedade: o professor matemático alemão Hans Schucruth.

Deitou-se em sua cama e aguardou o efeito dos medicamentos. Em breve, sentiria sua mente divagar por calmos e tranquilos sonhos, ou, melhor ainda, sonho algum. Ele preferia quando não tinha nenhum sonho durante a noite, pois, em seus sonhos, via todos eles.

Ele via Nolene.

Ele via Jacob.

Ele via Robert.

Ele via Hans.

Via todos eles vivos, apenas para acordar e lembrar que apenas ele tinha sobrevivido.

Ele e sua pá.

Adrian...

A cadavérica voz ecoou pelo quarto da ala psiquiátrica de forma suave, porém igualmente tenebrosa, ressoando até mesmo nos ossos de Adrian, que se levantou num pulo, ofegante, os olhos arregalados.

O quarto estava escuro, mas a pouca luz que adentrava lhe permitia ver que não havia ninguém ali.

Era apenas ele e a solidão.

Ficou sentado na cama por um tempo, ofegante. Já tinha algumas semanas desde a última vez em que sentira sua mente ser perturbada por memórias malditas, influenciadas pelo demônio cósmico que era Nyarlathotep. Sua mente passeava pelas memórias do passado antigo e recente.

Lembrou-se de seus amigos da guerra, do pelotão ao qual fazia parte, seus irmãos de armas. Conseguia rever, tão claro quando o sol do meio-dia, a morte de cada um, e podia sentir como se sua pele ainda estivesse banhada pelo sangue dos mesmos.

Mas, também, podia lembrar-se de seus amigos, os quais se tornaram tão valorosos e os perdeu em tão pouco tempo. Seus novos irmãos de armas, na luta contra uma terrível entidade que desejava trazer o caos e a destruição ao planeta.

Um parco sorriso surgiu em seu rosto. Ainda que tivessem perdido suas vidas, conseguiram impedir aquele ritual e dar ao mundo mais alguns anos de existência. Não sabia como isso poderia ser bom ou ruim, mas, certamente, seria algo que dependeria unicamente dos humanos, não de uma criatura cósmica de poderes insondáveis.

Ao menos, poderia dizer que a morte deles não havia sido em vão.

Algo sentou ao seu lado da cama.

Seus olhos, com tremendo pavor, se voltaram devagar para sua lateral, apenas para ver, sentado na cama, uma figura humanoide a qual ele conheceu e que, se pudesse, jamais o teria.

O sorriso monstruoso era inconfundível.

Os olhos agora, eram completamente vazios, tomados por um infinito como o universo.

Gritando em pleno pavor, Adrian lançou-se em direção a porta do quarto, batendo com toda força, enquanto gritava o mais alto que podia por ajuda.

Sentiu a figura detrás dele se levantar e se aproximar.

Movido pelo instinto, desferiu uma cotovelada com toda força contra a face da entidade atrás dele, porém o gemido de dor não era semelhante a voz de Hotep.

Olhou para trás, assustado, não acreditando no som que escutara.

A sela ainda era escura, tornando difícil olhar ali dentro, mas o rosto que ele viu era inconfundível, tal qual as roupas militares que seguiam o padrão do exército britânico. A mesma farda que ele usou junto ao seu pelotão.

O mesmo tinha apenas uma perna, seu corpo como a de um cadáver, os lábios sendo devorados por vermes, assim como o buraco dos olhos, que já não mais existiam.

— M-Muller... – Adrian murmurou, estupefato, quase sem forças para falar. O cadáver de Muller tentou andar em sua direção, mas o tronco se separou da única perna, caindo no chão. Da abertura jazia todos os órgãos e sangue se esparramando pelo chão. Assustado, Adrian tentou correr para o outro lado do quarto, mas escorreu no que parecia ser o intestino delgado de Muller e caiu no chão, atingindo a testa com toda força na poça de sangue.

Sentiu algo agarrando sua perna e se puxando para perto. Olhou para trás, assustado. Não era mais Muller, mas Watson, com uma parte de seu crânio arrancado por um tiro. Podia ver o que restava de massa encefálica pendendo para fora.

Você abandonou eles, Adrian... os abandonou quando mais precisaram.

— Não, não! – Adrian berrou, tentando se arrastar para longe de Watson – Para, por favor, para! Guardas, socorro!

Você fracassou, minha pobre criatura mortal. Fracassou, assim como nosso amigo alemão fracassou em sua tentativa de me matar com uma explosão. Ainda assim, encantadora a tentativa...

Adrian se levantou, encharcado de sangue e tripas, tentando dar a volta no corpo morto-vivo de Watson e se jogando com toda força contra a porta do quarto, na esperança de derrubá-la a força, porém sem sucesso.

Os internos começaram a gritar numa balburdia sem igual. Uma miscelânea de berros, urros, gargalhadas, choradeiras e palavras sem sentido. Com toda força, Adrian começou a socar e se jogar contra a porta, sem nem mesmo olhar para trás.

Não queria ver o que estava atrás dele.

Eu falei que viria lhe buscar, Adrian... falei o que você era... minha melhor ideia nesse século. Minha ideia que se tornou homem.

Adrian começou a gritar aos prantos, enquanto lágrimas, saliva e catarro escorriam pela sua face, assim como sangue saia de suas mãos feridas. Ao seu redor, um ensurdecedor murmurar das vozes de todos aqueles que ele conheceu e que morreram se aproximando cada vez mais. Sentia suas respirações ofegantes e o quão perto estavam de seus ouvidos.

Agora, está na hora da ideia que se tornou homem, tornar-se servo... para tornar-se então... máscara

...

Os guardas e médicos tentavam apaziguar os internos tanto de forma pacifica quanto de forma mais agressiva. Alguns dos internos tentavam atacar violentamente qualquer um que se aproximasse e, até mesmo, tentavam ferir-se das formas mais inesperadas e engenhosas possíveis.

À medida em que avançavam pelos quartos, chegaram finalmente no quarto do médico legista Adrian Fabian.

O único em silêncio.

— Doutor Fabian, aqui é o doutor Willett! Está tudo bem? – o médico indagou, olhando pela pequena abertura na porta o interior do quarto. Porém, para sua preocupação estava vazio – Doutor Fabian? Doutor Fabian? Puta que pariu, seguranças, venham aqui agora! – chamou assustado.

Dois seguranças correram em sua direção, ao tempo em que o doutor Marinus Willett abria a porta e adentrava o quarto, apenas para se certificar de que estava completamente vazio. Não havia ninguém, sequer resquício de por onde Adrian poderia ter fugido. Ligando a luz do quarto, o médico e os dois seguranças adentraram com enorme preocupação.

Um dos seguranças chamou atenção para porta, na qual havia marcas de sangue e amassados, como se alguém tivesse socado a porta até rasgar a pele do punho. Porém, não havia mais nada além disso.

Adrian havia desaparecido.



(CONTINUA EM "O CULTO DA CABRA DE MIL CRIAS")

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