Capítulo 1

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Capítulo 1

O som de buzinas ecoava pela cidade. Motoristas estressados xingavam presos num congestionamento infernal.
As ruas e avenidas foram tomadas por diversos manifestantes vestidos com as blusas da seleção brasileira de futebol. Eles tinham os rostos pintados de verde e amarelo, carregavam bonecos enormes representando o candidato a presidente da república Ricardo Policarpo. Erguiam faixas e cartazes em que protestavam contra a PL 14, um projeto de lei que implantaria nos ensinos escolares a propagação de respeito a diversidade.

Um grupo de manifestantes se reuniu próximo à praia, para incendiarem uma enorme bandeira do arco íris, representante da comunidade LGBTQIA+. Os seus olhos irradiavam um ódio voraz diante das chamas, que devoravam a bandeira colorida. As suas expressões faciais eram macabramentes diabólicas e os gritos estridentes rasgavam o ar num som perturbador.

Em cima do trio elétrico, a pastora Flora Gurgel discursava gritando no microfone. Ela gesticulava com as mãos como se suplicasse por algo. O suor escorria por sua pele morena, fazendo com que os fios lisos e longos da sua franja grudassem na testa.
_ É um absurdo esse ato de crueldade com as nossas crianças! Querem distribuir materiais pornográficos nas escolas, onde normalizam beijos entre dois homens e duas mulheres!
"O diabo é ardiloso. Ele sabe que não pode nos atingir porque estamos revestidos com a proteção divina e aí ele quer atacar as nossas crianças!
"O correto é uma menina sonhar com o príncipe encantado. E agora querem dizer para as nossas filhas que isso é errado! Que o correto é sonhar com princesa!
"Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; abominação é." Levítico 18: 22. Isto não sou eu quem estou dizendo. E sim Ele, o todo poderoso._ ela dizia erguendo a bíblia para o ar._ Eles querem ir contra a palavra de deus! E ainda querem nos acusar de intolerância e nos calar! E o nosso direito a liberdade de expressão?! O inimigo pode lançar a ventania, mas nós servos de Deus não vamos cair, porque estamos apoiados no nosso senhor Jesus Cristoooooo!"
A mulher girava os cabelos como um cantor de heavy metal, gritava histérica, diante dos aplausos ovacionados que recebia dos manifestantes.

Bruno tentava caminhar entre a multidão. Trazia na mão um microfone portátil e estava acompanhado do seu cinegrafista. O jornalista parou enfrente ao local onde a bandeira estava sendo incendiada. Sentiu uma pontada de tristeza diante do ato de intolerância que presenciava. Lembrou-se das muitas vezes que foi vítima de atos preconceituosos devido à sua sexualidade e sentiu um incomodo, mas decidiu se conter, devido ao profissionalismo.
_ Aqui está bom, chefe?
_ Sim. Pegue bem a imagem do incêndio da bandeira como plano de fundo.
_ Certo.
Com a câmera ligada direcionada a ele, Bruno ajeitou a postura e pocionou o microfone perto da boca.
_ 1, 2, 3... gravando.
_ Estamos aqui na praça quinze do Rio de Janeiro, onde acontece a manifestação de militantes conservadores em repúdio a proposta de lei da deputada federal Carla Amaral do Partido progressista, em que propõe a obrigatoriedade de ensinos sobre a aceitação da diversidade. O projeto visa a distribuição de materiais didáticos contendo informações sobre a diversidade da sexualidade humana, incluindo relações homoafetivas, modelo familiar em que casais de mesmo sexo tenham filhos, identidade de gênero, combate à homofobia e várias questões incluindo diversas causas das lutas da comunidade LGBTQIA +.
"A proposta que está sendo analisada no congresso Nacional tem gerado revolta a religiosos e a ala conservadora do nosso país. Manifestações de repúdio à proposta de lei estão acontecendo em todo país. Além do pedido da reprovação da proposta 14, os manifestantes manifestam apoio ao candidato Ricardo Policarpo, do PNC (partido nacional conservador).
Como vocês podem ver, em ato de repúdio à proposta de lei, os manifestantes incendeiam a bandeira símbolo da comunidade LGBTQIA +. A manifestação conta com a presença de cerca de 7 mil pessoas."
Bruno faz um sinal de corte com os dedos, onde a câmera não filma e o cinegrafista interrompe a gravação.
_ Agora, vamos tentar entrevistar alguém.
Bruno abordou muitas pessoas de um jeito neutro. Como não tinha trejeitos, as pessoas não percebiam a sua homossexualidade. Muitos aceitaram a dar entrevistas.
_O Brasil precisa de uma limpa, e só o Ricardo Policarpo pode fazer isso!_ disse um idoso vestindo a camisa da seleção brasileira de futebol e uma cartola verde e amarela.
_ Nós precisamos lutar contra a imoralidade! Essa ditadura gayzista não passará. _ gritava uma mulher revoltada.

Borboletas sempre voltam 2Onde histórias criam vida. Descubra agora