3 * Quebrado em estilhaços

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Nathan se esforçou para esconder a surpresa, porém não tinha certeza no sucesso na tentativa.

Daisy Mary, aquela que um dia havia sido sua melhor amiga, estava novamente diante de seus olhos, depois de anos.

O rapaz a observou entreter Lily com um dos brinquedos da menina, um sorriso iluminando o rosto da moça.

Seu coração se agitou em uma mistura de sentimentos. Algo como nervosismo, alegria e muita curiosidade.

— Daisy? O que faz aqui? — As palavras saíram antes que pudesse pensar direito.

Os olhos dela se ergueram de forma súbita.

— Nathan, isso são modos? — Ellen cochichou entre dentes.

Dando-se conta do tom de sua pergunta, a reformulou.

— Quero dizer... — Limpou a garganta. — É um prazer revê-la.

A jovem hesitou por um segundo, antes de levantar e fazer uma reverência, algo que Nathan nunca tinha a visto fazer para ele com seriedade. Um nó se formou em sua garganta ao notar a distância entre os dois.

— Majestade — cumprimentou em um fiapo de voz.

Um clima pesado, quase palpável, preencheu o ar. Como se sentisse toda aquela tensão, Lily resmungou, chamando a atenção de todos para ela.

Daisy prontamente tomou a menina em seus braços e caminhou até a princesa, entregando-a.

— Parece que alguém está com sono. Vou colocá-la para dormir e retorno. — Eleanor sorriu para a menina, afagando seus negros cabelos lisos quando a mesma se aconchegou no seu pescoço. Lançou um olhar para o irmão ao acrescentar com divertimento: — Não deixe a visita entediada, Nate.

E saiu antes que ele pudesse dizer qualquer coisa.

O rapaz escondeu as mãos nos bolsos da calça e encarou Daisy com cautela. No seu interior suplicava a Deus que o ajudasse.

Seguiram até o sofá e se acomodaram banhados pelo mesmo silêncio de antes, o que começou a sufocar Nathan e ele decidiu quebrá-lo:

— Como tem passado?

— Não precisa falar nada, não se sinta nessa obrigação — cortou seca, acabando com qualquer fio de esperança de que o tempo tivesse curado a ferida aberta há tempos.

— Por um segundo achei que estaria tudo bem. — Ele soltou um suspiro.

— Está tudo ótimo, só acho cruel te obrigar a ficar em minha presença. — As íris castanhas transbordavam desconforto. — É um fardo para ambos.

— Discordo. Ficaria muito feliz em conversar. — Um sorriso sincero nasceu no rosto dele.

Daisy o analisou com cuidado. Parecia o mesmo Nathan que se lembrava, a não ser pelos cabelos levemente crescidos, que o faziam parecer um pouco mais maduro que o rapaz de sua mocidade. Seu coração desejava deixar os desentendimentos de lado e abrir espaço para uma reconciliação, contudo a vergonha por lembrar do dia em que se separaram foi maior.

— Sabe, vim até aqui para conhecer a sua sobrinha. Ellen insistiu para isso nas cartas que trocamos. — Alisou o tecido macio do vestido, dirigindo um olhar de soslaio para o corredor, torcendo pela volta da amiga. — Nem esperava vê-lo, imagino quão ocupado esteja seu tempo.

— Minha agenda não é tão cheia a ponto de negar uma conversa.

Ele queria descobrir mais sobre os últimos anos da vida dela, saber se estava bem.

— Estou bem, Nathan. — Colocou uma mecha dos seus fios marrons avermelhados atrás da orelha, em um gesto involuntário.

Como ele atravessava aquela barreira entre os dois? Havia alguma forma de fazê-lo? Naquele momento sentiu que não.

Mais silêncio.

— Suas irmãs estão bem? — tentou mais uma vez.

— Sim.

— Seu pai comentou que resolveu estudar música, gostou da experiência? — Mais uma investida.

— Digamos que não foi de todo mal. — Elevou os ombros.

Mais de uma palavra! Era um avanço?

— Como assim?

— Foi um tempo interessante, mas acredito que a música não seja feita para mim — respondeu pensando como tinha ingressado na escola por puro impulso e vontade de deixar Salun. A fim de mudar o foco dela, rebateu a pergunta: — Como passou seu tempo nesses últimos, o que? Cinco anos?

Errou de propósito. Podia jurar que ele não se lembrava do tempo exato que não se falavam.

— Seis anos. — Os olhos de Nathan ganharam uma profundidade de sentimento que constrangeu Daisy.

— Isso, seis anos. — Enrubesceu, evidenciando ainda mais as inúmeras sardas no seu rosto. — Então, como foram esses anos?

— Cheios de rotina, mas vez ou outra algo diferente acontecia.

— Uma aliança entre Salun e Cristyn parece bem interessante. — Pela primeira vez desde o início da conversa ela parecia possuir uma mínima vontade de prolongá-la. — Como isso aconteceu?

Nathan se animou ao compartilhar a coragem da irmã e toda a jornada até que seu pai e o Conselho aceitassem se unir ao reino vizinho. A atenção de Daisy cresceu sobremaneira na parte do atentado que quase o matou.

Seu pai havia escrito sobre aquilo, mas não deu detalhes. Entretanto a moça se lembrava da aflição que a dominou ao ler as palavras Nathan e atentado na mesma frase.

— Deus te deu um livramento enorme, Nathan! Nem consigo acreditar que...

— Espera — a interrompeu bruscamente —, o que disse?

— Não me diga que não escutou. — Arqueou a sobrancelha com uma pitada de divertimento.

— Deus. — Um sorriso quase tomou todo seu rosto, fazendo seus olhos se estreitarem ainda mais. — É o que estou pensando?

— Ah, isso! — E ela sorriu de verdade, fora inevitável. — É, a graça de Deus me fisgou.

— Glória a Ele por isso! É realmente a melhor coisa que poderia ter lhe acontecido.

A animação dele a fez desviar o olhar e apertar os lábios para esconder o contágio daquela felicidade. Foi uma dificuldade enorme recordar a si mesma que estava magoada, mas conseguiu.

— E lhe aconteceu o mesmo, certo? Papai contou em uma das cartas. — Levantou os olhos, já sem o mesmo brilho.

— Queria ter sido tão bem informado assim — brincou.

Antes que qualquer outra coisa pudesse ser dita, Eleanor voltou.

— E então? A conversa foi boa? — Juntou as mãos em frente ao corpo com uma expressão de ingenuidade que não enganou seu irmão.

— Correu tudo bem. — Daisy fingiu um sorriso.

— Bom, preciso voltar ao trabalho. — Nathan levantou. — Foi ótimo te rever, Daisy, espero que a experiência se repita.

Com certeza oraria por isso.

A moça apenas forçou outro sorriso e o observou ir embora.

— Espero que se entendam logo. — Eleanor suspirou, atraindo a atenção de Daisy.

— Não sei, Yuna, duvido muito. — Encarou as próprias mãos.

— Toda essa mágoa vai te fazer mal, amiga. — Tocou o ombro dela com carinho.

— Não é bem mágoa, só sinto que reparar as coisas é impossível.

— Para o nosso Deus nada é impossível, sei que Ele gosta que seus filhos fiquem unidos, amando uns aos outros. — Sorriu. — Vamos fazer assim, a senhorita e seu pai estão convidados para um jantar no domingo, vai ter tempo para pensar e quem sabe ajeitar as coisas.

Daisy assentiu, implorando por ajuda divina, só Ele mesmo para unir novamente o que tinha sido quebrado em estilhaços.

Amor, coroas e papelOnde histórias criam vida. Descubra agora