Capítulo 4 - 21 horas de contágio

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Sinto a brisa gelada entrar por todo meu pulmão e aliso as mãos pela minha perna que se encontrava toda arrepiada do frio.

-Eu te trouxe isso - a voz rouca do britânico invade meus pensamentos fazendo com que acabe por olhar para o mesmo em pé na janela - Está bastante frio aqui fora - ele sorri disfarçado ao se inclinar pela janela até o pequeno telhado e colocar a manta sobre minha cabeça a fazendo cair pelo meu corpo - Valeu - agradeço apertando-a em meu corpo.

- Na verdade, eu vim te pedir desculpas - ele passa as pernas pela janela e com todo cuidado senta ao meu lado no pequeno espaço de telhado que nos separa do chão - Eu não deveria ter feito nada daquilo - Sua mão coça a nuca pouco aparente pelo boné preto - Eu joguei uma frustração minha em ti sem necessidade.

Era como se todo meu corpo ouvisse cada sílaba que sai de seus lábios, enquanto meus olhos percorrem o anoitecer.

- Está tudo bem - sorrio fraca - Não será o primeiro nem o último a presenciar isso infelizmente - agarro mais o cobertor sobre meu corpo e o olho apenas para imaginar se seu corpo sentia o mesmo frio que eu, mas pela forma como suas pernas ainda estavam dobradas sem nenhuma contração e seus dedos brincavam um com os outros sem puxar a manga de seu casaco, o frio era só algo que eu estava a sentir - Não justifica minha atitude - Sua voz é grossa ao virar o rosto para o meu e posso perceber seus olhos vermelhos e molhados - Eu cresci lá embaixo - seu rosto se volta para as pontas dos pequenos prédios que estavam a centenas de quilômetros de nós - Todas as minhas memórias mais felizes são naquelas ruas, com aquelas pessoas - Sua voz fica mais grave, mas  consigo ouvir a mesma embargando no fundo.

- Tudo de mais bonito na minha vida está lá embaixo - ele respira profundamente e me pergunto internamente quem poderia ser a melhor parte de sua vida - Todos perdemos coisas hoje, Tom - me arrasto pelo telhado até parar a poucos centímetros de seu corpo, fazendo meu braço protegido pela manta encostar em sua jaqueta jeans - Eles decidiram que não vão descer, né? - minha voz sai carregada ao olhar seus olhos me fitando tão profundamente.

- Eu sinto muito - Sua voz sai sincera - Talvez sua família esteja segura, Raquele não sai da frente daquela tv e em uma das reportagens comentaram de um galpão aonde estão abrigando uns moradores - Suas palavras saem esperançosas, como se ele mesmo estivesse tentando se converser disso - Talvez sua pessoa também estaja lá, Tom - sorrio ao mentir completamente, eu já não acreditava que ninguém que amava estava vivo.

Um silêncio longo se arrastou por minutos naquele telhado, levando a luz do sol consigo e dando lugar a completa escuridão, pequenas luzes foram brilhando lá embaixo e minha mente faz um mapa mental de todas as ruas e casas, na mínima tentativa de lembrar a que pessoas pertenciam as luzes e quem eram as que já não tinha mais ninguém em casa para liga-las.

- Gaia - o rouco de sua voz me acorda de meus pensamentos e viro o rosto para o moreno - O que eu te fiz sentir aquela hora ? - Sua voz é tão triste  e se parece que ele realmente se importa se me machucou ou não - Nojo - digo  sinceramente - De mim ? - seus olhos vermelhos me fazem perceber que nesses longos minutos ele os chorou em silêncio o tempo todo, me cortou o coração de várias formas pensar que o moreno a minha frente achava que  acredito que seja igual a ele.

- Óbvio que não - toco em seu rosto e sinto uma respiração profunda sair de seus lábios - Minha mente só se confundiu, trocou momentos sabe ? - sorrio tentando acalmar o clima - Eu só me imaginei em outro lugar novamente.

- Que lugar Gaia ? - sua mão toca a minha e vejo o quanto ela se parecia enorme comparada as minhas, não que Tom Seja grande, na verdade é engraçado ver a diferença de tamanho entre Michael e Tom. Porém tudo em si era grande e musculoso, como se o mesmo passasse horas na academia - Não são histórias bonitas para serem contadas - tiro minha mão debaixo da sua e as escondo na manta novamente.

- Para onde meus gritos te levaram Wind ? - Sua voz é tão calma que é como se meu corpo inteiro se relaxasse, como ele sabia meu nome do meio? - Para todas as noites, Tom - recosto o rosto em minhas pernas e fecho os olhos - Eu sinto tanto, tanto, profundamente tanto - seus dedos tocam do começo dos meus olhos até a ponta do meu queixo - É passado, está tudo bem - minto.

- O que vi mais cedo não se parece o passado - Sua voz é tão calma e tranquila que meu corpo dúvida que é o mesmo que estava a gritar hoje mais cedo - Só acontece quando algo me lembra ele - minto novamente, acontece o tempo todo, quase todos os dias durante anos, eu só aprendi a viver com isso e Raquele e Michael também. Michael mais que Raquele, pois era para o mesmo que ela ligava para vir de onde estivesse para me acalmar.

- Me perdoe se viu ele em mim - Sua voz é tão triste e acabo por sorri - Você parece ser totalmente o oposto a ele, britânico - e nesse instante vejo seu sorriso novamente, tímido, mas ali - Talvez vamos passar longas semanas presos aqui - seus olhos fitam cada detalhe do meu rosto - E te prometo que nunca mais irei te fazer lembrar dele novamente, vou cuidar de você todas as vezes, não tão bem quanto o Michael faz, porém juro que irei tentar - e ali estava o sorriso que vi na noite passada e de alguma forma isso me acalma.

- Talvez eu também posso tentar acalmar teu coração da dor até ver sua memória Feliz novamente - digo calmamente, sem nenhum pingo de maldade, talvez ficassemos aqui por alguns longos dias mesmo, ter sua amizade seria mil vezes melhor que travar uma batalha ardilosa - Eu tenho certeza que fará isso sem nenhuma dificuldade, querida - suas mãos tocam meu queixo o apartando enquanto seus lábios tocam delicadamente minha testa, antes dele se levantar e ir em direção a janela.

- Tom? - Me viro de costas para a noite ficando a sua frente - Sim Wind ? - seu rosto se vira sorrindo, mas seus olhos complenamente vermelhos ainda entregavam sua dor - Me desculpe pelo o que disse, eu realmente só falei no calor do momento, sei que é só um boato estúpido que ouvi a anos atrás - quase vomito as palavras de tanta rapidez, me desculpar nunca foi meu forte.

- Eu sei, querida - seu sorriso é sincero acalmando meu coração - Aliás já que soube seu lindo nome do meio que não deveria nunca ter escondido - seu corpo se apróxima da janela e estendi a mão para mim - Thomas - o grave em sua voz parece ter se intensificado e entendo o que ele estava a fazer, nos apresentarmos em nossas versões mais escondidas - Wind - sorrio ao apertar sua mão e o ver gargalhar e sumir pela cortina.

Minha atenção se volta a noite  e estico minimamente minhas pernas. Já sentiu como se seu fim mais doloroso, fosse apenas um começo?

DILÚVIO • tom •Onde histórias criam vida. Descubra agora