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"À força de tanto ler e imaginar, fui me distanciando da realidade ao ponto de já não poder distinguir em que dimensão vivo."
- Dom Quixote, Cervantes

Jennie Kim

À medida que os anos se passaram eu sempre me perguntei o que o futuro guardava para mim. No fundo eu tinha esperanças de que seria algo bom, algo que compensasse tudo pelo o que passei durante minha vida, torço para que isso não seja uma simples ilusão. Nunca exigi muito, só me pus à pedir por uma vida melhor para minha adorável mãe e minha inocente irmãzinha, era tudo.

Não tenho a vida que muitos considerariam perfeita, mas tenho uma mãe e uma irmã que me amam acima de tudo, é o bastante para uma mera garota como eu, mas pouco para a jovem sonhadora que habita dentro de mim, à todo momento querendo saltar para fora, mas sendo segurada por mim mesma, temendo tantas frustrações.

Meu pai está longe de ser o conhecido herói como todas as crianças enxergam seus pais. Ele é um homem fechado, frio e um ser desprezível. Estou cansada de ser oprimida por ele todos os dias, me chamando de gorda, de imprestável ou então gritando comigo por algo bobo. O temperamento descontrolado de papai é seu principal defeito, muitas vezes já levantou a mão para mim ou para omma, mas graças a Deus nunca se atreveu à fazer isso com Ella.

Todas as noites fujo em silêncio da minha casa até o terraço de uma empresa que fica próxima à lanchonete onde trabalho. Ali era o meu ponto de paz, o único lugar onde eu permitia que minha eu sonhadora saísse para fora, onde me deixo se perder por entre as páginas dos diferentes livros que costumo ler durante a noite. Apenas eu e o silêncio do mundo, com as estrelas e a lua me assistindo enquanto recito em voz alta cada bela citação que era encontrada por mim entre as linhas dos livros.

Quando os ponteiros do relógio alcançam as 6h00 am todo o cenário digno de uma pintura parece desaparecer. É o momento onde a realidade volta à me cercar, o momento em que percebo que a bolha de conforto estoura.

- Volte aqui! Não está esquecendo de nada, mocinha? - Minha mãe me puxou pela orelha quando eu estava prestes à passar pela porta.

- Omma, isso dói! - Reclamei.

- Assim você não esquece do meu abraço. - Rebateu rodeando meu corpo com seus braços. - Tenha um bom dia, querida. Amo você.

- Amo você também, omma. - Sorri.

- Agora vá, tenha cuidado. - Me soltou indo até a porta e a abrindo para mim.

- Até mais tarde! - Acenei já longe.

Agora meu dia finalmente começou. A vida monótona sendo repassada pela centésima vez nesse único ano. Mas não posso reclamar, poderia ser pior.

Desde que comecei à trabalhar sinto um peso em minhas costas, peso esse referente ao fato de eu ser a única capaz de sustentar minha família. Omma tentou conseguir emprego várias vezes, deixou seu currículo em difrentes lugares mas todos pareceram se importar mais com as vestimentas dela do que com a necessidade de uma mãe desempregada, já papai não consegue nenhum por conta de seu temperamento, e como Ella ainda é só uma criança que nem sabe escovar os dentes sozinha, sobrou apenas eu. A última esperança do futuro da minha família.

Nos primeiros dias desde que meus pais se viram sem emprego foi um completo inferno. Discutiam à todo momento sobre o alto valor das contas, da comida que estava prestes à faltar... Eu ainda era uma adolescente, estava no primeiro ano da minha faculdade de Literatura quando a tranquei vendo que eu seria a única que poderia tirar meus pais do buraco. Observei meu sonho ir pelos ares da movimentada Los Angeles, sem nada que eu pudesse fazer para segura-lo.

Agora felizmente estamos mais estabilizados. Graças ao meu emprego na lanchonete dos pais de Jisoo, minha melhor amiga, tenho conseguido pagar as contas, a comida e as vezes até sobra um pouco para que eu vá à alguma balada para me divertir.

- Bom dia, Jendeukie! - Jisoo me cumprimentou com um sorriso assim que adentrei a lanchonete.

- Bom dia, Jichu. - Deixo um beijo em sua testa e sigo para o vestiário para deixar minha bolsa e vestir o avental.

- Tome. - Me entregou um prato com dois brilhantes pedaços de torta de morango assim que voltei para a frente do estabelecimento.

- Obrigada, faz tempo que não como essa torta. - Comentei provando o primeiro pedaço. - Merda, isso está divino.

- Claro que está, fui eu quem fiz. - Sorriu de lado.

Parei imediatamente de mastigar e fiz uma expressão de nojo.

- Por favor não me diga isso. Fico tentando imaginar onde sua mão esteve antes de fazer essa torta.

- Então vai ficar ainda mais surpresa quando eu disser que usei um leite diferente na receita. - Falou sorrindo.

- Sua nojenta! - Apontei na direção dela logo a ouvindo gargalhar.

- Estou brincando. - Disse me fazendo lançar um olhar de ódio em sua direção. - Ou talvez não...

Joguei um pano de prato em seu rosto e ela se esquivo rindo ainda mais. Maldita.

- Come logo isso, vou abrir daqui alguns minutos. - Ela disse arrumando alguns bolos na vitrine.

Quando termino de comer coloco o prato sujo na pia e passo um pano úmido nas mesas dispostas pelo local para retirar qualquer resquício de poeira. Ao final, aviso à Jisoo que vou pegar mais caramelo na dispensa e então entro na parte escondida dos clientes onde armazenam todo o estoque de produtos, porém desvio dessa parte e sigo até o banheiro verificando se havia alguém ali e logo trancando a porta.

Me aproximo do vaso sanitário e suspirando fundo levo meu indicador até o fundo de minha garganta, não demorando muito para sentir algo quente subir e logo eu estar pondo tudo pra fora.

Dou descarga e corro para lavar minha boca antes que Jisoo apareça procurando por mim e desconfie de algo. Não quero encher a vida dos outros com meus problemas imbecis, nem mesmo às dos meus pais. Eles já passam por coisa demais, um filha cheia de problemas é o que eles menos precisam no momento.

- Demorou. - Jisoo falou quando voltei para a entrada com um vidro de caramelo lacrado.

- Não estava achando, precisei procurar nas caixas fechadas. - Falei.

- Certo. Bom, já vou abrir. - Ela disse indo até a porta e virando a placa que antes indicava fechado.

Que o dia comece, então.

...

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