CAPÍTULO 39 - ANA

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Sinto vozes ecoando ao meu redor mas não consigo me mexer.

Na verdade, acho que não me mexeria nem mesmo se pudesse.

Há dor em todos os lugares. Absolutamente todos.

Mas a dor que irradia do meu coração é a pior de todas. 

Não há espaço para misericórdia, não há espaço para respirar, mal há espaço para existir. Só me restou esse pequeno lugar intocado dentro de mim mesma, um espectro ajoelhada no chão da casa da minha infância, segurando a foto de Théo - a foto do meu amigo morto, meu irmão perdido, a foto um completo assassino.

As palavras de minha mãe, meu pai e de Danilo se embolam feito uma ao meu redor, ecoando feito um grito alto numa caverna sombria, o som sendo tão distorcido pelas paredes de pedra que mal passam de ruídos.

Os últimos minutos, os últimos dias, meses, anos... Haviam sido reais? Todas as mentiras, armações, mortes, renascimentos, traições... Toda essa vida construída sobre teatros e farsas, dor e luto... Era real?

Como podia ser?

Como eu poderia acreditar que a série de acontecimentos que moldaram completamente quem sou hoje foram frutos de tristeza, rancor e ódio?

Não consigo ler meus próprios sentimentos, acompanhar as sensações que tomam meu corpo na velocidade da luz. Minha infância, os primeiros seis anos da minha vida vivendo com Théo, um segredo que eu nunca havia ousado compartilhar com ninguém. Um pedaço sagrado da minha vida, quase uma oração secreta que guardamos apenas para nós mesmos, sussurrando para as estrelas vez ou outra para ter certeza que ela continua acesa, viva feito uma chama eterna, cultivada com carinho em nossa memória. Então sua morte, os abusos de minha mãe, o surgimento dos Fiori na minha vida... O descobrimento da minha superdotação, a anorexia, todos os médicos, faculdades, abusos, distúrbios... A traição de Danilo, as mentiras, a dor, o acidente do meu pai e toda a impotência que ele trouxe, e agora... Um irmão. Eu tinha um irmão que eu amava com cada parte do meu coração, feito a Ana de seis anos, mas um irmão que me odiava por tudo que meus pais haviam feito por sua família. Eu o havia perdido antes mesmo de sequer ter o tido em primeiro lugar e é demais para mim aguentar.

A dor parece demais. Insustentável. Pela primeira vez em muitos anos, tenho vontade de morrer. Não de me matar, mas de simplesmente parar de existir. Deixar tudo para trás. Abraçar o vazio confortável que é a promessa da morte. Onde não existe destruição. Onde meus pais não são monstros mentirosos. Onde meu irmão é apenas meu irmão. Onde posso ser feliz com o homem dos meus sonhos sem que ninguém entre no nosso caminho. Onde sou aceita, e amada, e normal... Onde posso ter uma vida minimamente serena, tranquila.

Mas isso era impossível. Porque tudo era muito real. Cada acontecimento tenebroso, sujo e cruel. Cada pedaço de dor e destruição. Tudo era real. E estava acontecendo ao meu redor.

- Ana.

Uma voz chama bem a minha frente. Uma pressão gentil e quente é feita em minha bochecha mas não consigo reagir. Acho que isso é estar em choque. Não consigo me mexer.

- Ana. – A voz fala novamente, dessa vez mais firme. A pressão em meu rosto se movimentando... Num carinho. Isso, aquilo era um carinho suave. Pisco várias vezes tentando me focar na pessoa ajoelhada na minha frente e meus olhos se focam em Danilo, me olhando de volta com os olhos azuis molhados, cheios de dor e mágoa. Quanta tristeza esses olhos já enfrentaram. Quantos tropeços estão presentes ali...Mas há também nos seus olhos amor, quentura e os sentimentos mais bonitos do mundo. Segurança, cuidado e força... Muita força. Porque era isso que Danilo significava pra mim. Era isso que éramos um para o outro. É isso que o amor é de verdade. Força para enfrentar as tormentas. O amor é força.

QUEBRADOS - Irmãos Fiori: Livro II - COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora