Mal sinto as pontas dos meus dedos conforme termino de abotoar meu vestido preto. Alcanço minha bolsa, meus óculos escuros e caminho até a sala onde Daniel me espera. Ele também veste um terno preto e tem as mãos enfiadas nos bolsos da calça. Sua expressão é de tristeza profunda e sei que eu estou da mesma forma.
Hoje é o enterro de Suzana. Tenho que me sentar no sofá, assim que as lágrimas queimam meus olhos novamente. Ainda era inacreditável que ela havia partido.
Depois da reconciliação de Nina e Alex há um ano, Suzana havia se tornado parte integral de nossa família maluca. Estava conosco quase todos os dias e era a criança mais apaixonante do mundo. Nina havia a amado como se ela fosse sua e sei que isso só fez com que Alex a amasse mais. Ela havia sido uma estrela brilhante que havia partido cedo demais. Havia sido tirada de nós cedo demais por uma doença cruel.
O câncer evoluiu rápido demais e há duas semanas ela havia sido entubada, o pulmão já estava completamente tomado e ela mal conseguia respirar sozinha. Há dois dias recebemos a notícia de que ela havia por fim, descansado. Apesar de termos consciência da gravidade da sua condição, nós nunca estaríamos preparados para a realidade que era a sua morte.
- Não é justo, Pink. – Eu digo, sentindo as lágrimas queimando meus olhos. Não era justo que uma criança de seis anos tivesse que passar por isso. Ele se senta ao meu lado e beija minha cabeça, vejo que limpa seus olhos também.
- Não é nada justo, Cérebro. – Ele concorda, me abraçando. Me permito chorar por mais cinco minutos antes de me levantar e colocar meus óculos. Nina e Alex iriam precisar de toda força que pudessem ter hoje e precisávamos estar lá por eles.
Fazemos todo o trajeto em silêncio. Não há nada a ser dito e tenho medo de começar a chorar e não conseguir parar até chegarmos no cemitério. Me arrepio ao pensar nessa palavra. Um cemitério. Estávamos indo enterrar uma criancinha de seis anos, nossa família, nossa sobrinha, em um cemitério. Onde ela ficaria sozinha. Bloqueio instantaneamente esses pensamentos porque sei que não vou aguentar. É demais para mim. Pensar em seu corpinho, em seu sorriso, sua gargalhada contagiante.
Estacionamos perto da moto de Gabriel e vemos que nossa família já está toda aqui. Acabamos pegando um pouco de engarrafamento e nos atrasamos alguns minutos. Daniel entrelaça seus dedos nos meus e caminhamos pelo jardim bonito que me tranquiliza. Esse lugar é lindo. Não é nada mórbido ou triste. É pacífico. Um lugar de descanso, eu percebo finalmente.
Vemos um grupo de pessoas e posso ver a distância Alex em pé com Marina ao seu lado. Ele tem a cabeça abaixada e conforme nos aproximamos, percebo que nunca vi alguém tão triste e destruído em toda a minha vida. Nossa família está de pé, ouvindo uma senhora com aparência muito maternal falar sobre a morte, o paraíso e a vida que continua aqui na terra. Não consigo olhar para o caixão fechado entre nós, perto do buraco já aberto na terra. Alex não quis nenhum tipo de missa ou que velássemos o corpo de Suzana. Quis que ela fosse como se estivesse dormindo. Não quis que nos lembrássemos dela sem vida. Queria apenas memórias felizes.
Percebo que Violeta e Melissa não estão aqui, mas o resto de nós sim. Mama, Seu Heitor, meus irmãos, os pais de Alex, Maísa e Mylena, que chora também. Fico com pena dela. Suzana era sua filha também e sei que ela a amava de sua maneira. Os olhos de Nina encontram os meus e nem precisamos falar nada, ela apenas sussurra que me ama, com os olhos inchados transbordando. Eu choro também, sendo amparada por Daniel.
Procuro por Danilo e rapidamente o encontro. Ele está afastado de todos nós, encostado numa árvore e posso ver toda a tensão em seu rosto, como está em seu limite, a ponto de quebrar. Nunca vi alguém mais apaixonado por uma criança do que Danilo era por Suzana. Às vezes parecia que era mais pai dela do que Alex. Ele não consegue olhar para nenhum de nós, tem seus olhos no céu, todo o seu rosto está contorcido numa máscara de autocontrole, ele parece completamente despedaçado. Mas então olho para Alex, que parece completamente morto, um espectro de si mesmo, encarando a madeira escura do caixão de sua filha, porque é a última vez que estará fisicamente perto dela. A última vez que vai ver sua garotinha. Ele olha para o espaço vazio ao seu lado, e sei que está buscando seu irmão, seu melhor amigo, mas não o encontra e parece se afundar ainda mais em si mesmo. E é o que basta para mim.
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QUEBRADOS - Irmãos Fiori: Livro II - COMPLETO
RomantizmSérie Irmãos Fiori: Livro 2 * Para entender essa história é necessário ler o primeiro livro da Série: O Acaso * Ana e Danilo acharam, um no outro, seus maiores sonhos e desejos personificados. Tudo sobre o casal grita intensidade, paixão e devoçã...