olhares incompreendidos.

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Sentada no canto do sofá, Bárbara entretinha-se com a leitura da mais recente obra literária de Raul Minh'Alma, Durante a Queda Aprendi a Voar, com Teresa, sentada no outro canto do sofá, a assistir à partida entre Sport Lisboa e Benfica, a ocorrer na Luz, e, ainda, acompanhada pelas vozes dos comentadores desportivos que apreciavam e lançavam os seus comentários apreciativos do jogo. De vez em quando, a morena conduzia os seus olhos castanhos ao ecrã da televisão de forma a perceber o que estava a acontecer e, depois, regressava à leitura. Na verdade, ela tinha a intenção de, naquela noite, assistir à partida do início até ao fim, no entanto, perdeu a vontade cerca de quinze minutos depois de começar. Sentia que as regras do desporto que praticava eram mais fáceis de compreender do que as regras do desporto com mais adeptos no país.

Fechou o livro, deixando-o sobre o sofá, e dirigiu-se à cozinha para beber um copo de água que o seu organismo tanto implorava há algum tempo. Entrou na divisão, abriu o armário, que guardava os copos de vidro e canecas de porcelana, e retirou um copo que encheu com água e, de seguida, bebeu. Regressou à sala a fim de voltar a ocupar o único canto do sofá desocupado e retomar a leitura – que ainda ia no início - do livro do autor português. Porém, a anunciação da última substituição feita pela equipa técnica liderada por Jorge Jesus por parte de um dos comentadores desportivos chamou-a à atenção e levou-a a conduzir os seus bonitos olhos castanhos para o ecrã do televisor que exibia o camisola dezassete da equipa principal de futebol do clube fundado em mil novecentos e quatro a cumprimentar o colega de posição, o brasileiro Gilberto, e a pisar o interior das quatro linhas que delimitavam o campo de futebol pertencente à equipa da casa.

- Ele não costuma jogar de início? – Verdadeiramente curiosa, a aspirante a uma profissão dentro da política questionou a melhor amiga que não tirava os olhos da televisão.

- Não. – Teresa negou. - O mister Jesus tem uma abóbora no lugar do cérebro. – Bárbara deixou sair uma alta gargalhada, repousando as mãos nos ombros e o queixo no topo da cabeça da estudante de sociologia.

- Não estás numa posição imparcial para fazeres esse tipo de comentários. – Advertiu-a, num tom divertido, enquanto observava o lateral direito com a posse da bola, o que cativou a camara do canal de desporto, SPORT TV.

- Posso não estar, mas é um facto que o Gonçalves em cinco minutos faz um melhor trabalho que o Gilberto em noventa minutos. – A jovem portuguesa de cabelos pretos comentou sem papas na língua. - Não sei que sentido faz substituir alguém quando falta quatro minutos para o jogo acabar. – Ainda acrescentou.

- Esse tal Gilberto pode estar em esforço físico, pelo que é melhor tirá-lo do campo, antes que provoque algum estrago. – Bárbara interveio.

- Pelos vistos, entendes mais disto do que pensas. – Teresa ergueu a cabeça na direção da melhor amiga, obrigando-a a afastar o queixo da cabeça dela, e piscou-lhe o olho, sorrindo.

A natural da região ribatejana de Portugal abanou a cabeça, rejeitando a afirmação da universitária, e ocupou o canto do sofá, abriu o livro e concentrou-se na leitura da obra portuguesa. A partida chegou ao fim com a vitória da equipa coordenada por Jorge Jesus e a morena ficou sozinha na sofá por a melhor amiga ter decidido começar a preparar o jantar e, por isso, se ter deslocado para a cozinha. Na televisão, assistia-se às entrevistas pós-jogo com um jogador de cada equipa seguidos dos treinadores. Os olhos da universitária viajaram para o ecrã quando uma voz conhecida ecoou nos seus ouvidos. A íris castanha caiu na imagem gravada do lateral do clube da Luz e os seus lábios abriram-se num sorriso triste. Embora sorrisse, a sua maior vontade era chorar no silêncio do quarto para não ser incomodada por ninguém. A entrevista chegou ao fim com o acenar de cabeça do jogador como forma de despedida do jornalista, no entanto, a mente da estudante de relações internacionais e ciência política continuou a passar vezes sem conta a imagem dele. Só voltou à realidade quando Teresa a chamou para a ajudar a colocar os pratos e os copos na mesa.

lack of control | diogo gonçalvesOnde histórias criam vida. Descubra agora