O ar que respiro

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Ficar medindo as consequências do ar que respiro durante o dia era o que ocupava a grande parte de minha noite, de um lado ao outro da cama, olhos fixos no teto escuro que não mudava em nada, todos os dias a mesma falta de luz e a mesma falta do que pensar, não era insônia, isso seria bem pior, acabaria me tornando mais um usuário de rivotril entre tantos outros verdadeiros e falsos viciados nessa droga, acontece todos os dias, o sono fica indo e voltando, e a realidade e os sonhos acabam se misturando ao ponto de fazer minha mente ficar uma bagunça durante a noite, é só efeito do ar que respiro, do amor que cultivo, das luzes que observo, tudo é um efeito melancólico das horas que parecem alçar na minha cabeça sempre que me encontro sóbrio o bastante, mas o pior é lembrar que todo esse ar ainda é o mesmo e os sons apesar de diferentes causam os mesmos efeitos indesejáveis e as drogas um dia chegam ao final, e então é necessário mais ar para mais drogas, e o amor através dos dias leva um bom tempo para se recuperar, sem disparos em corações inocentes ele nunca sobrevive, amor é só disparos em corações inocentes, e eu fui um alvo por um tempo, ainda sou um alvo cinco, seis, nenhuma ou inúmeras vezes ao dia, em algum lugar o surto pode me fazer perder a razão, numa praça, num hospital, numa igreja, em uma mesa de bar, que seja num bar, com alguns trocados o anestesico tem efeito quase instantâneo.

O efeito salva por diversas vezes a mente da idéia de suicídio, com uma única vida para terminar cantando nas ruas ou enterrado com uma bala na cabeça o melhor é cantar sempre que é possível, por diversas vezes a noite me arranca da loucura de subto e sem explicação me vejo num cercado de espelhos que não refletem o meu rosto amassado pelo tempo que ainda não passou, e com alguns caminhos para a fuga é fácil permanecer criando expectativas e permanecer olhando no fundo dos olhos que sempre me perseguem nos poemas que risco nos papéis que nunca encontro, deve ser que com isso eu continue sobrevivendo, viver é bem diferente, não levaria aos assassinatos em tempo real na tv ou no meu assassinato cotidiano que me livra de boa parte dos sorrisos em série que passam pelas ruas mal iluminadas, pela mesma luz amarela de sempre, que parece me perseguir em cada verso e visão do mundo.

A visão é sempre a mesma, um mar de pessoas indo de um lado ao outro sem chegar a lugar algum, as vezes se desfazendo com o sol que parece um enorme buraco amarelo pelo qual poderia me lançar a qualquer instante sem ter como me segurar nas nuvens de algodão que surgem com o mais simples piscar de olhos, ficar olhando o céu poderia ocupar grande parte da minha vida, durante o dia e durante a noite, mas essa mania de sobreviver acaba remetendo ao sofrimento, o mais fútil deles pode me lançar para longe da minha ilusão pessoal que compartilho com um grupo de perdidos de alma que já devem ter se encontrado e esse é o motivo de estarem perdidos, saber onde se está é um dos maiores erros de quem busca a tal felicidade, ao menos para quem a queira mergulhada em sombras e fechada em uma caixa de papel barato com um símbolo de marca registrada, estou exausto de tantos símbolos, de tanta falta de poesia, se o simples despertar do mundo pode fazer uma pessoa levantar e sorrir para o infinito, um despertar da sanidade que agarra a tantos desde o berço pode fazer um bem inimaginável aos que sofrem por amor ou falta de amor, no final, acaba sendo a mesma coisa, o mesmo meio com finais diferentes, sempre em frente e sabendo que existe um muro no final da avenida e qualquer ser é capaz de o transpor com algum fio de liberdade que guarda nos bolsos em meios as raras moedas, poeira, palitos e o que ainda resta da vida.

O que resta da vida quase sempre é muito pouco, no meio de multidões tentar respirar pode ser quase impossível, o ar carregado tomando meus pulmões e destruindo meu sistema sanguíneo e ouditivo enquanto o sistema em si permanece derrubando corpos nas trincheiras dessa guerra de olhos fechados, se tento dar dois passos posso ser derrubado ao chão sem o mínimo de explicação por quem tenha me derrotado, isso acaba acabando e sendo levado pelos rios e pelo vento, mas meu corpo não sente correntes de ar de verdade já faz um bom tempo, o que mantém os ponteiros girando numa rota interminável são as cores, as poucas que vejo todos os dias quando o sol já está se pondo e ainda pode manchar as nuvens numa luz que parece não ter sombras, tudo pode não passar de efeitos já esperados de algum êxtase não sentimental, variados sintéticos que mantém os sentidos variando em cada segundo, não é correto sentir uma cor na ponta da língua, ou tocar algum som no horizonte, mas os efeitos são quase verdadeiros, o pior é que esse quase não me arrasta para a realidade que ainda sonho em viver e que as vezes prático nas noites insalubres que fazem meus sonhos flutuarem por causa da felicidade, ela só me mantém longe das janelas do meu quarto e do mundo em guerra, se eu mesmo estou em guerra acho que posso me deitar e olhar o céu se movendo enquanto tento com alguns tragos me manter de olhos fechados.

Queria ter entre os dedos o amor que me escapa pelos olhos quando o sol aponta longe, tão distante que parece estar entre meus dedos, e de olhos tristes e sorriso simples e de coração posso me manter fixo em todas as ilusões que trago dos copos descartáveis em algumas noites que custo a me manter de pé e que algumas vezes acabo de costas para uma árvore ou parede ao lado de alguma alma sem rumo marcado mas com diversos riscos nas estradas que os pés sonham em tocar, mesmo que haja chuva e poeira num mesmo instante, mesmo que o velocimetro não passe de 180 e o cheiro de gasolina tome os pulmões, com tanto ar que respiro os efeitos colaterais não devem me remover as ideias, quando sim os efeitos até me arrastam pelo chão sem eu me mover e me lançam ao vento com algumas gramas de boa qualidade. Com os olhos no céu e os pés no chão eu sentia que os sonhos estavam tomando meus dias e fazendo dos meus segundos horas que queimavam como fósforos sempre que me imaginava alguns passos além de onde estava, a arte é a confusão dos loucos, era o que estava pixado no enorme muro que dava fim numa rua calçada de paralelepípedos, a lucidez dos loucos, quantos lucidos eu conhecia afinal de contas, olhos confusos em todo lugar em busca de alguma luz que não rasgue a pele e deixe o que sobra da alma escorrer para o chão cheio de pontas de cigarro, o círculo que vejo pela minha janela arranca dos peitos os corações frágeis e os lançam ao esgoto para que tentem se recuperar do trauma de sobreviver, corações buscando amor em qualquer esquina onde as nuvens não sejam tão claras e os tragos não sejam tão fortes e a anestesia seja geral, que retire a visão e os desejos para que possam se arrastar todos os dias no caos das seis horas quando os pássaros cantam para o que parece fútil, a busca nunca é concluída quando o ar é escuro e o sangue está misturado com chantagens emocionais.

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