5. Entre guardiões, caçadores e a hora do almoço

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Embora eu tenha concordado com o plano proposto, fiquei internamente preocupada diante da possibilidade de passar ainda mais tempo ali. Não importava o quanto eu fingisse normalidade por fora, eu sabia que não havia absolutamente nada de normal em tudo o que estava acontecendo.

Sim, a morte era parte fundamental da vida, mas não existia na escola uma matéria que ensinasse como se preparar para o outro lado com instruções. Eu já estava pouco pronta para a vida, imagina para a morte.

E devia ser simples voltar, mas não era! Não podia apenas voltar pelo caminho contrário, não, tinha de me enrolar com dois outros estranhos em outro mundo sombrio e encarar ainda mais problemáticas, igual aqueles personagens de quest de aventura, porém com a possibilidade de morrer de verdade.

Manter uma falsa fachada de calmaria era o que eu sabia fazer melhor no momento. Até porque também não tinha outra escolha.

— Já te disseram que seus olhos negros são dois infinitos, señorita? E que seu longo cabelo lhe emoldura a face de forma tão bela quanto uma cascata de diamantes escuros a ornamentar o busto de uma rainha? — repetiu Paco pela terceira vez em menos de vinte minutos. Ele falava como alguém que viveu há séculos antes das cantadas de internet serem inventadas.

— Bem, você me disse algo do gênero há alguns minutos — assenti, levemente incomodada.

— E já te disseram que a Lua se curvaria diante de sua boca carnuda, por inveja das curvas do seu sorriso? — insistiu, arvorando as sobrancelhas. 

Eram super grossas, aquele garoto precisava de um esteticista. Ou não, talvez ele gostasse delas daquele jeito. Quem era eu para julgar, né?

— Já te disseram que, se não calar a boca nos próximos minutos, vou te quebrar os dentes da frente? — A resposta foi dada pelo príncipe, que andava adiante de nós e estava mais impaciente do que o normal.

— Mensagem captada. — Paco deslizou o dedo sobre os lábios, sugerindo estar fechando um zíper imaginário, e me deu uma piscadela.

Era normal que estivesse com aquele humor. Chantageá-lo não foi correto, eu sabia bem disso, porém ele podia, no mínimo, ser mais compreensível e tentar ver pelos meus olhos. Ambos estávamos em situações injustas e a menor das minhas intenções era causar problemas a ele. Se ele ao menos fosse menos orgulhoso, encontraria em mim uma ótima aliada.

Grossas nuvens cercavam a estrada de terra por onde seguíamos, contemplando a vista com grama alta amarelada que se esticava nos quatro cantos do horizonte. O céu parecia um espelho, refletindo o amarelado abacate do gramado, e não sinalizava se era cedo ou tarde. Era um cenário morto e pouco convidativo.

Mais à frente, um prédio abandonado se erguia no meio do matagal, onde antes não existia absolutamente nada. De paredes acinzentadas, havia sido planejado com uma arquitetura retangular de tijolos, teto triangular verde-escuro e janelas partidas. Lembrava uma escola, até discerni barulho de crianças vindo do interior dele, mas era certo que devia ser apenas uma lembrança perdida.

Uma ilusão.

E como eu estava segura de que não era o melhor momento para comentar minhas dúvidas, decidi não partilhar meu pressentimento, porém, desde que saímos do armazém, uma coisinha inquieta crescia em mim; a sensação de estarmos sendo vigiados. Infundamentada demais para que eu pudesse dizer algo por enquanto, mas eu não costumava errar.

Não valia muito a pena focar naquilo no momento, era mais sensato me concentrar no conhecimento palpável, então comecei a reprisar nossos últimos momentos na cabeça.

Eu não havia dito nada importante desde que saímos do armazém do senhor Ajal e o que não me faltava eram perguntas. Por exemplo, o que ele quis dizer sobre a Vida ter me enviado? E quem era aquele senhor? E onde era exatamente a Tierra de Los Condenados? Será que estávamos indo direto para lá? O quão perigoso seria?

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