7. O passado de Montoya

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Montoya

Cato era bruto. Vindo de um povo bárbaro que não desmedia forças para torturar e matar. Quando recebia missões — frequentemente com permissão para visitar El Mundo de Los Vivos — convencia e enganava almas a partirem antes do tempo, somando e acumulando mais membros para o seu bando. Não sabia porque o Tempo o mantinha ali, e nem queria saber. Sua existência era um dos muitos lembretes de que eu existia no inferno.

Na primeira vez que conheci Cato pessoalmente, muito educadamente o abordei com um soco e, desde então, esse verme desperdiçava o meu tempo e o dele com caçadas inúteis. Não importava quantas vezes ele me acertasse ou vice-versa, renascíamos presos aqui. Seu prazer vinha da dor que me infligia, apesar que eu desconfiava ter planos — certamente ineficazes — de roubar o poder do Tempo.

Depois de me acertar, o palerma ordenou aos seguidores de natureza semelhantemente palerma para dispararem contra nós. Eles mal conseguiam manejar as próprias armas e a armadura exageradamente chamativa que ocultava Cato, concedia pouca praticidade aos seus movimentos, então a lentidão do grupo facilitou para que eu tivesse tempo suficiente para arrancar a flecha e acobertar a mim e Eva atrás de uma rocha enquanto Paco — após uma tentativa ridícula de saltar para trás com uma pirueta — se escondeu atrás de uma pedra paralela a nós. Minha besta já escorregava para a minha mão esquerda, queimando as pontas dos meus dedos a cada projétil disparado contra o bando.

— Já devia estar morto, Montoya! Mandei meus melhores caçadores atrás de você! — gritou Cato, preparando outra flecha para ser disparada pela aljava grande demais para o seu tamanho. Ele não era muito alto para alguém que devia ter por volta de seus dezenove anos, mas eu conseguia visceralmente me divertir com sua petulância em tentar me enfrentar.

— Está mesmo surpreso que todos eles são um lixo como assassinos? — provoquei, sabendo que ele se distraía facilmente ao ter o ego ferido. Cato rosnou em resposta, porém nada foi tão visualmente empolgante quanto o olhar de pânico em seu rosto conforme, um a um, eu e Paco derrubamos os seus guerreiros com tiros.

Não era segredo que eles se dissolveriam em poeira, indo para sei lá onde, mas voltariam em pouco tempo. Outra grande besteira sobre estar preso aqui como caçador ou guardião era sentir a morte corroer literalmente o seu corpo até virar pó. Super-força ou velocidade anormal, esses seriam dons incríveis, mas ter regeneração e imortalidade não passavam de outra forma de tortura aqui. Nunca me acostumaria com a sensação desagradável de sentir meus ossos revertendo às suas posições iniciais, nem à dor alucinante multiplicada por três.

— Já estava esperando por esse ataque hoje? — perguntou Eva, roubando minha atenção. Ela estava apoiada sobre os cotovelos e deitada atrás da pedra. Se tentasse se mover um pouco, resultaria em uma queda violenta, mas se movesse a cabeça, poderia ser alvejada. De um jeito ou de outro, ela morreria e não voltaria.

Pensei no abismo que existia entre nós. Eu quis tentar muitas vezes entender no que eu havia me transformado, contudo, em um mundo onde as opções lógicas desapareciam ao toque, desde o princípio eu estava fadado a aceitar que essa condição não me proveria as respostas que eu desejava. Eva era uma coisa que eu jamais voltaria a ser e não poderia me esquecer disso.

— Não, pensei que seria amanhã — respondi sarcasticamente, desviando por pouco de um tiro. A sua pergunta tola quase me custou a cabeça.

— Isso foi sarcasmo?

Isso foi sarcasmo?, repeti em minha mente com a voz irritante dela. Devia estar mesmo fazendo de propósito para me testar.

— Sim, niña! Agora se esconda melhor, antes que esses imbecis te vejam!

O Guardião dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora