Prólogo

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Em uma noite dos mortos, dessas antigas que o povo tinha medo de sair das casas e os espíritos travessos não deixavam os animais dormirem, a princesa saiu para conhecer o mundo.

A lua, amargamente brilhante, banhava o céu em um tom de negro acuático, como se o espírito de um gigante cavernoso pairasse sobre a terra.

A princesa deixou seu reino para pisar no mundo dos vivos, onde a música, a curiosidade e o fervor religioso reinavam. Sua presença, como uma sombra devoradora de luz, incutia medo nos vivos.

A diáspora da Princesa da Morte durou três noites e ela amou o que viu. Por anos foi sua tradição. Na noite em que as regras perdiam seu valor e a morte se tornava vida, ela descia para brincar.

À medida que as noites passavam, a princesa mergulhava cada vez mais profundamente no reino dos vivos. Ela observava os corações pulsando, a energia vibrante, a vida fervente, e a alma presa em corpos mortais.

Ela observava as paixões ardentes, os amores esperados, as aflições do coração, e desejou tais experiências, mas o seu reino frio e sombrio não lhe concedia essas emoções. Marigold respondeu, a sua voz cheia de sabedoria e tristeza: "Amor é o poder de doer e ser ferido, de ter e perder, de sofrer e se curar, de sentir intensamente. É um poder que a morte não pode oferecer.

Num ato impensado, desceu da lua e procurou pelo tal amor entre as florestas, rios, desertos, montanhas e cavernas. Não o encontrou.

O Tempo iria descobrir.

Ela tinha que voltar antes que o lobo farejasse sua fuga.

Então, escutou. Na floresta de sonhos perdidos, dentro do castelo tombado. A voz dele. Do príncipe solitário. Espionou de perto. O destino dele era lindo.

O príncipe, em seu castelo oculto, cantava com uma voz de lamento, como se a própria dor lhe ditasse a música. Ele não estava sozinho - os fantasmas de um passado de luta, angústia e tristeza o cercavam, como a neblina de um sonho no coração. A princesa ouviu o chamado, sentiu o calor da companhia, mesmo em meio à solidão da noite.

Um plano ela elaborou. O preço seria alto. Dois corações e uma troca.

Ela prometeu-se a si mesma que tomaria um coração, mas apenas se fosse desejado. Ela não era a fera em que os criadores dela a tinham moldado. Era mais do que aquilo, mas nem sempre conseguia distinguir quando estava fazendo o bem ou o mal. Porque o bem, em si mesmo, não podia ser escolhido, por natureza.

Era justo? Não sabia. O Tempo podia ser bom, mas não gostava da Justiça, a cegara de propósito. E ela? Ela, Princesa da Morte, sua filha, nunca tocada, nunca sentida, aprisionada, seria justa? Não sabia. Era curiosa e desejosa. Queria ter o que eles tinham. Um pouco invejosa.

Se aproximou. Decidiu. Iria virar história. Olhou nos olhos do príncipe e soube. No canto do futuro ela previu. Os dois corações seriam partidos. Ele lhe daria tudo o que queria. Um dia, ela devolveria tudo que lhe foi tirado.

E na medida em que seus lábios se encontram, ela sentiu que toda a energia da vida do príncipe era sugada para dentro dela, fazendo com que toda a dor e esperança do mundo vivente fossem destiladas em um único momento transcendental.

Agora, a Princesa dos Mortos provaria o sabor que amargava a boca dos vivos. Beijou os lábios do príncipe e mudou seu futuro para sempre.

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Nota da autora
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