Montoya
Eva Fuentes, ela me disse ser seu nome quando indaguei há pouco, no entanto, eu me lembraria se já tivesse cruzado com sua alma antes — fosse outro nome, fosse em outra vida — e tinha certeza de que não, nunca havíamos nos falado; então era mais um mistério para a lista.
Meu ar era tranquilo ao seu lado, estava portando-me o mais humanamente possível para deixá-la à vontade. Já bastava a selvageria daquele mundo, não era sensato que eu também fizesse parte da lista de traumas que a seguiriam.
Expliquei-lhe que ela teria de ir comigo para El Paso, pois ainda não era a hora de sua morte. Era um lugar que, independente da faceta imutável de crueldade, julguei ser seguro para a condição atual de Eva, além de que ela estaria salva comigo, e aquele que poderia nos ajudar costumava se encontrar por lá, em seu velho armazém de memórias. No princípio, tentei perguntar coisas a seu respeito, mas as respostas eram vagas e desconexas. Eu perguntei sua idade e ela respondeu roxo.
Fora isso, para o meu assombro, a niña estava lidando com tudo muito bem, novamente completamente diferente das outras garotas — que reagiam conforme a normalidade. Mas não ela, que me seguia em silêncio ao longo da jornada; o olhar a todo momento disperso nas construções envelhecidas e policromadas do caminho de El Paso, como também nas almas vagantes e caçadores da morte que passavam por nós ocasionalmente. Apesar do longo deserto, dos prédios velhos pressionados uns contra os outros, dos trechos de relva alta, das aparições avulsas de espíritos, do incessante badalar de sussurros e da presença de arquitetura que desafiava a lógica, ela não reagia como deveria. Eu me limitava a nomear os lugares e nem assim ela emitia mais que com um murmúrio interessado.
Será que ainda estava processando sua condição? Absorvendo o choque?
Eu me sentia incapaz de compreender aquela mortal excêntrica e por mais que estivesse também curioso em entender seu comportamento fora de contexto, eu não iria perguntar.
São poucas as almas que não se desesperam ao compreenderem onde estão, entretanto, Eva parecia estar empolgada. Eu observava seu rosto algumas vezes, mas não encontrava resquícios de medo entre a hesitação e o fascínio.
Ela está mesmo gostando daqui?
Seus pulmões inspiraram o ar vigorosamente conforme passamos próximos dos cravos-de-defunto, e os cantos da boca inflamavam num sorriso fofo e melancólico ocasionalmente. Apegada à família e também às tradições, adivinhei.
E como definir sua personalidade em tão pouco tempo? Havia algo que a tornava pouco comum se comparada com as outras mortais enviadas antes. Algo que eu não sabia explicar tão bem.
Talvez a necessidade de bom senso?
Esperança, respondeu a voz que eu preferira calar em minha mente.
Ela estava absurdamente calma demais para a situação que enfrentava, portanto, não levou mais que meia caminhada até eu ceder às minhas dúvidas.
— Noto que é bem curiosa, niña — frisei, visando descobrir mais acerca de suas esquisitices. Felizmente, ela deve ter entendido que eu desejava apenas socializar.
— Qualquer um teria a mesma reação que eu em um lugar tão distinto! — respondeu com um tom emocionado e melodioso.
Uau. Eva conseguiu me levar de confuso para perturbado com uma única sentença sem sentido.
Como alguém pode ficar tão bizarramente encantada em estar ali?
— Discordo. Penso que, em seu lugar, qualquer um estaria apavorado — declarei, firme e indiferente.
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O Guardião dos Mortos
Fantasy🏆 VENCEDOR DO WATTYS 2021 🏆 Após rezar para uma tumba abandonada no Día de los Muertos, a jovem gentil e destemida Eva Fuentes, é transportada a um plano mágico, fantástico e sombrio, o famigerado Mundo de los Muertos, onde ela precisará, com a aj...